Pedras nas mãos de Da Hora

          A pedra não tem vida, simula algumas das nossas características de vivente, mas demonstra fazer parte das nossas vidas, dos nossos caminhos, como bem se inspirou o poeta Drummond. Tenho atração especial por elas, para admirá-las, sejam brutas, estejam polidas, arte no Período Neolítico, quando o homem se dedicou a cortar e a polir pedras, ou trabalhá-las, como a Pedra Polida, no Museu do Homem (Musée de l’Homme), no Trocadéro de Paris, parecendo um divino corisco, caído do Céu, mas realmente, alisada e aperfeiçoada pelo homem primitivo, para então arremessá-la contra alguma caça ou cortar raízes e galhos de árvore, faltando só o cabo para um potencial machadinho. É assim que os humanos habitam e sobrevivem na Natureza. Lidou com pedras, logo demonstra possuir esse DNA, voltando-se para elas, como aconteceu com as pedras nas mãos de Abelardo Germano da Hora.
          Nascido em São Lourenço da Mata (1924), das terras pernambucanas, deve ter-se encontrado com muitas pedras, nas estradas e nas paisagens da Usina Tiúma, de onde saiu para estudar, ou melhor, para viver em meios maiores, onde já havia pedras historicamente talhadas; coisas e pessoas de metrópoles, como Olinda e Recife, e tanta gente que gostava de fazer ambiência cultural. Foi assim que Abelardo encontrou a sua hora; participando, fomentando cursos de arte; também criando a Sociedade de Arte Moderna do Recife (1946); realizando exposições de escultura e para isso ser mais dinâmico, fundando “ateliês coletivos”.
Sua fama estava na rua, levando às ruas e praças do Recife expressivas esculturas, dentre as quais, muito admiro O Sertanejo, homenageando o nosso escritor épico Euclides da Cunha. Abelardo, ideologicamente posicionado pelas causas sociais e populares, sofreu perseguições como ocorreu com os geniais da cultura artística.  
          Revela-se, ao mesmo tempo, o artista exímio nas artes do desenho, da pintura, da cerâmica, da poesia e, como professor, do ensino dessas suas habilidades. Foi escolhido, como delegado nordestino, para a Seção da Associação Internacional de Artes Plásticas da UNESCO (1956), de onde abriu as portas para a França, Itália, Inglaterra, Portugal, além da Rússia, China, Estados Unidos, Canadá, Israel, Mongólia, Romênia, Peru e Argentina. Muito mundo, enfim, a Paraíba, onde, em João Pessoa, que teve o privilégio de receber augusto presente para o Governador João Azevêdo inaugurar o Memorial Abelardo da Hora, que expõe, permanentemente ao público, requintes da sua obra.
         Imagino Abelardo se agarrando com o bloco bruto, sem pensadas dimensões, estirando-o no chão, penetrando no íntimo da pedra áspera ou dominando a dureza do bronze, mexendo com a alma de tudo isso e burilando suas entranhas. Entrega-se à causalidade da ideia, da imagem, em cujo mundo, supera-se a mulher no mundo das intenções, naturalmente dominado pela insuperável beleza feminina. Abelardo posiciona suas curvas, em formas redondas, lisas como a pele. A nudez na pedra polida ou no bronze se reveste de atrativas motivações. Quem não deseja vê-las? E lá se mostram... Abelardo é da hora, porque a hora é mais constante, só menos do que o átimo ou o segundo; mas muito mais presente do que os futuros tempos, ele, somente ele, simplesmente no Memorial, das mãos da Hora de Abelardo.