Pastores no Harém

“Eu vos darei pastores segundo o meu coração; que vos apascentem com ciência e com inteligência”. Tal afirmativa narrada na Bíblia é atribuída ao próprio Deus, dita pela boca do profeta Jeremias (Jeremias 3.15) por volta de 630 anos antes de Cristo.

Passaram-se 2,5 séculos e, neste interim Cristo nasceu, viveu, morreu e, para os cristãos, ressurgiu dentre os mortos. Enquanto viveu, condenou a conduta pouco amistosa dos ricos e poderosos, pelo fato destes se sentirem “especiais”, como foi o caso de seu encontro com o “jovem rico” (Mateus 19. 16-24). Em João 3, este “jovem rico” é apresentado como Nicodemos. Os teólogos ensinam que além de rico era fariseu, um grupo conservador radical e, apesar de jovem, era membro do Sinédrio, um colegiado que acumulava funções clericais e legislativas. O jovem ao ouvir de Cristo que seria importante que ele praticasse a “divisão” e não o “acúmulo” de bens (João 19. 21), preferiu retirar-se, apesar de pesaroso (João 19. 22).

Cristo por sua vez, continuou apartado dos poderosos e quebrando “tabus” culturais e religiosos: dialogava com crianças (Mateus 19.14), com mulheres (Lucas 8.1-3), e até com leprosos (Lucas 17.12,13); atendeu um lunático (Marcos 9. 14-27), e não recusou ser tocado por uma prostituta (Lucas 7.37), o que lhe tornaria ‘imundo’. Em outro diálogo com poderosos, condenou suas condutas (Mateus 23. 1-39).

Seus discípulos, quais pastores zelosos a cuidar de um rebanho, prosseguiram na administração de seu legado, mantendo a mesma reclamação quanto aos exploradores de mão de obra, fossem escravocratas ou patrões inescrupulosos (Tiago 5.1-20).

Foram os discípulos de Cristo, tendo São Pedro com um dos pastores-líder, que criaram uma comunidade sem ricos e sem pobres para abrigar e proteger carentes (Atos 4. 32-35). O ‘kibutz’ durou algum tempo. Num caso inusitado a ‘comuna’ foi sabotada por um certo Ananias e sua esposa Safira e estes foram severamente punidos por ação do próprio Deus (Atos 5. 1-11).

Tais fatos encontrados na Bíblia são diretamente contrastantes com a atitude de certos cidadãos dos nossos dias que se apresentam como “pastores” e se dizem “seguidores de Cristo”.

O comportamento revelado, mais parece com o das mulheres depositadas no Harém de um autocrata poderoso. Ali odaliscas e concubinas disputam a atenção de seu ‘senhor’ numa luta sem tréguas. A associação entre os tais só ocorre se for para beneficiar ambos. Por vezes negociam com emissores graduados que lhes recomendem maior atenção do ‘principal’, como faziam aquelas ao buscar aprovação da influente ‘valide’, “puxando-lhes o saco”; portadores de corações invejosos, almejam o lugar das ‘esposas’ ou, ao menos a possibilidade de estar entre cônjuges nesta “poligamia plutocrática”.

Em Efésios 4.11 a Bíblia informa que na igreja cristã, além dos que ali congregam, há líderes em diversas níveis que devem atuar para o bem dos que buscam respostas para além daquelas que se pode resolver com recursos humanos, entretanto há líderes ditos cristãos, que tal e qual as odaliscas e concubinas, esquecem-se de suas honrosas tarefas para conquistar um lugarzinho nos ambientes do poder efêmero onde, travestido de uma Hadassa falsificada (Ester 4) arriscam suas cabeças em busca de aprovação para viver um “purim” nefasto, onde eles e apenas eles saem beneficiados, visto que barganham sua coletividade para fins privados.

NÃO SÃO PASTORES, são mercadores da fé alheia, com seus rebanhos robotizados, não poucos enganados pelos falsos vaticínios do “Balaão” em busca de um bom ‘prêmio’ que lhes proporcione terráqueo conforto enquanto vendem o céu aos incautos que cegamente crêem.

“Mas não foi essa a maneira de viver que vocês aprenderam, como seguidores de Cristo” (Efésios 4.20). Não é admissível que cristãos sejam feitos de imbecis, inclusive por líderes imprudentes; o próprio Cristo deixou seu conselho em Mateus 10.16 – “Escutem! Eu estou mandando vocês como ovelhas para o meio de lobos. Sejam espertos como as cobras e sem maldade como as pombas”.