Alguns momentos da pandemia.

Pois é, dizem que a pandemia acabou. O corona caiu fora, já que ele não aguentou a burrice do nosso presidente(ahahahaha!).Brincadeiras a parte, claro que o convid ainda não acabou, mas ,por incrível que pareça, acho que o pior(da pandemia) já deve ter passado.

Voltei a beber dos velhos bares, alguns amigos(passageiros) me abraçaram, bebi muitas cerveja de graça. Fiquei, numa tarde gostosa, vendo mulheres bonitas desfilando entre as ruas.

-Olha, Carlos! Lá vai aquela garota de vinte e poucos anos! Veja o vestido rosa dela!

-Ye, Nicolas !Vai em frente, parceiro! Não tenho mais idade pra isso!

falava o Carlos. Meu velho parceiro de boteco.

Sim ,coisa banal, não? Mas a rotina é um saco e tem poucas coisas que consigo fazer, pra matar esse profundo tédio.

Mas nada se compara, por hora, a alguns momentos que eu tive, durante a essa histórica pandemia.

Eu tava sem dinheiro, fudido, ainda morando com os meus país. O que eu ganhava, era trabalhando como balconista. Trabalhava pouco, ganhava pouco. Gastava tudo com vinho de 10 reais ,invés de comprar novas cordas pra minha guitarra.

Fiquei dentro de Daniel Bernado, olhando praquela rua cinza e morta. As folhas das arvores caindo, algumas pessoas passando e meia dúzia de baboseiras sendo proferido por poucos clientes.

O que fazia tudo piorar, era um novo flanelinha que trabalhava da minha rua .Ele se chamava Agnaldo.

-Eae!Eae! Tá Nervoso? É rock and roll?

-Sim, Agnaldo. Rock and roll...

-E o moto clube?

Ele sempre falava isso ,enquanto eu passava por ele. Até hoje, o idiota acha que eu faço parte de um moto clube. Oras, nem sei andar de moto .Não adianta você falar isso pra ele, pois o sujeito simplesmente ignora TUDO que você fala. TUDO mesmo.

O Agnaldo foi o terror da minha vida, pelo menos por um ano. O lado bom da pandemia, é que eu tinha desculpas pra ser antissocial, mas eu sentia mais vontade de beber. Tinha que ficar atrás no balcão, esperando algum cliente e aguentando a presença de Agnaldo.

No começo, Agnaldo carregava o seu celular dentro da lanchonete(onde trabalho até hoje). Porém, ele pedia pra gente tirar e colocar o celular dele na tomada, durante boa parte do tempo.

-Coloque ai! Coloque ai!

-Ué, Agnaldo.. você acabou de tirar!

-Que foi? Tá nervoso?

Falava ele, com uma voz aguda e irritante. O meu chefe (e pai) não aguentou, não deixou ele carregar celular por lá.

Depois, ele teve a maldita ideia de deixar o dinheiro que ele ganhava pra gente guardar .Inicialmente o meu pai aceitou. Grande erro, principalmente do meu pai.

Ele entrava e saia a cada cinco minutos, perguntando quanto tinha de valor. A gente perdia tempo, abrindo o estojo que ele nos deu e contando pela milionésima vez o valor que ele deixou, mas o valor ele ia deixar.

-Quanto tem aí mesmo?

-50 reais, Agnaldo.

-Ok, vou te dar mais 10.

Passava 5 minutos, e ele voltava.

-Quanto tem aí mesmo?

-Você sabe quanto tem!

-Tá nervoso, hein? Fala aí, meu! Quanto tem?

-60 reais

-Ok!

Ai ele voltava de novo,5 minutos de intervalo...

-Quanto tem aí mesmo?

-60

-Não é 70? -

-Não, é 60

-Como assim? Conta aí!

-Porra! A gente já contou umas 500 vezes!

-Ih, tá nervoso? Não foi do seu moto clube, hein? Conta aí!

Claro, a gente devolveu o dinheiro pra ele. Ele ficou magoado. No começo fiquei feliz, pois pensava que ele não ia mais pra lanchonete. Belo engano de minha parte, pois ele voltou.

Agnaldo comprava lá, mas ele pagava tudo repartido.

Ele comprava uma coxinha, que custava 3 reais. As vezes, ele ficava chorando tanto, que fazíamos um desconto(até dávamos de graça, veja a chatice do sujeito!),mas ele dava o dinheiro picotado. Dava moedinhas de 25, 5 centavos. As vezes(quando tínhamos sorte) 50 centavos e assim por diante .Ele dava umas moedinhas, ia embora, e 5 minutos depois, perguntava quanto faltava e dava mais moedinhas.

-A coxinha é 1 real, né?

-Não, é 3,mas fizemos por 2 pra você.

-Bom, eu te dei 25 centavos. E agora? Falta quanto?

-Falta 1,75

-Ok, agora vou te dar mais 10 centavos. Falta quanto?

-Falta 1,65.

-Tem certeza? Não é 1,50?

-Não

-Ok.

E era isso o tempo todo. Porém, teve um momento que eu não aguentei mais. Ficava boa parte do meu tempo contado as moedas dele, anotando do caderno(pra ele não me enganar) e argumentando contra ele, dizendo que ele devia tantos e assim por diante. Eu estourei, mas foi por um período breve, pois ele se colocou como vítima.

-Porra! Chega dessa merda! Toda hora isso! Por que não paga tudo logo? Eu sei que você guarda notas aí!

-Hum! Hum! Eu estou sendo honesto! Não estou querendo te enganar!

-Não é isso! Só estou dizendo que você enche o saco com essa merda de pagar 5 centavos a cada 5 minutos!

-Hum! Hum! Eu sou honesto, viu? Eu sou honesto!

Aí, ele ficou o resto do dia entrando da lanchonete, me encarando e dizendo que era honesto. Quando não era ele, era a terrível vontade de beber, a maldita depressão e alguns (poucos)clientes que eu não suportava ,além da terrível falta de dinheiro(mal conseguia comprar um shampoo...gastava tudo com vinho).

Eu não aguentava...

Eu dormia todas as noites, sonhando com o Agnaldo. Imaginando que o mundo seria um lugar paradisíaco sem ele. Os pombos e os ratos estavam cantando, o presidente parava de ser um babacão, as moças bonitas estavam de volta. Sonhava que algum carro atropelou ele de proposito e tudo se escafedeu.

Ele era um péssimo flanelinha. Se o cliente não dava mais o que ele queria ,ele reclamava, além de ser muito intrometido e péssimo manobrista. Não sei, algum motorista poderia mata-lo! Pegar ele, tortura-lo por uma hora, cortar as bolas dele e depois jogar o corpo dele no Rio Tietê. Eu ia acobertar, sem dúvida. A polícia(e a sociedade) não ia sentir falta do Agnaldo.

Eu tava com esse tipo de pensamento, ou de sonhos. As vezes, sonhava esmurrando Agnaldo. Outras vezes, sonhava matando Agnaldo com um picador de gelo. Sonhava comendo a mulher do chato ,enquanto ele estava amarrado, observando tudo. Tava me sentindo doente, cansado

e com um terrível sentimento de solidão. Até eu necessitava de alguém, por mais antissocial que eu fosse. Eu não tinha ninguém pra desabafar ou conversar. Parece que o corona vírus destruiu algumas amizades minha.

Depois, um dia desses, apareceu um amigo meu. Tentei desabafar com ele...

-Cara ,eu tô um trapo!

-Que isso, meu! Por quê?

-Ah, essa pandemia !Não aguento mais! Estou duro!

-Hahaha! Pandemia é só uma desculpa para os preguiçosos! Foi criada por pessoas como você, que gosta de ficar chorando!

Ele falava isso, da minha cara. Depois ficou umas 5 horas falando o quanto tava ganhando dinheiro, mas no final pediu 10 reais emprestado e duas latas de cerveja pra beber.

-Mas parça, eu não tenho dinheiro! Estou duro! Você não ouviu o que eu falei ?

-Ah, cara! Só dez reais! Depois eu te pago!

-Como você vai me pagar? Tu mora lá no centro de SP!

-Vai! Dez contos e duas breja! O seu pai é pão duro. Ele não quis vender a cerveja por 1,50!

-Mas você não disse que tava com grana? E você não acabou de mencionar que achou essa cerveja uma merda?

-Ah, chega! Prometo que te pago.

Fui otário, e emprestei dez reais e dei as minhas duas latas de cerveja .O cretino foi embora, sem antes falar que o corona vírus era uma invenção da mídia.

Bom pra ele, queria ter esse tipo de pensamento!

(Até hoje estou esperando o meu 10 reais, senhor Vitor! Quer sabe? não precisa pagar. Mas faça o favor de nunca mais aparecer por aqui! Grato!)

Bom, esse foi algumas das lembranças ruins da pandemia. E você? O que me diz?

CaiqueM
Enviado por CaiqueM em 07/04/2022
Reeditado em 07/04/2022
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