Insana

- É como ter uma faca cega apontada para o pescoço – Ela disse.

- O que? – Eu perguntei, sem entender.

- O amor... O amor. Particularmente o não correspondido.

Ela prendeu os cabelos, baixou a calcinha e entrou debaixo do chuveiro.

Percebi que ela tinha deixado o cigarro queimando em cima da pia, com as cinzas caindo para o lado de fora, como se não se preocupasse com a sujeira.

- Nunca pensei dessa forma. – Respondi.

- Imagino que não.

- Não que eu nunca tenha amado platonicamente... mas nunca tive uma faca apontada pro meu pescoço.

Ela sorriu e continuou a argumentar.

- O que eu quis dizer é que quando você está realmente apaixonado, você sabe que provavelmente não vai morrer por causa disso, mas existe uma constante sensação de risco de vida... ou pelo menos de maior proximidade com a morte. – Concluiu.

Depois de alguns segundos de silêncio, ela abriu o chuveiro e entrou debaixo da água.

Me encostei na parede e fiquei olhando enquanto ela passava o sabonete pelo corpo.

- Não vai entrar? – Perguntou.

- Agora não.

- Tem certeza?

- Mais tarde talvez.

- Tudo bem. – Ela disse, com um sorriso escapando pela boca.

- E o que fez você chegar a essa conclusão? – Perguntei.

- Eu já fui esfaqueada.

- Sério?

Ela mostrou uma cicatriz acima dos seios. Eu já havia percebido o corte, mas não sabia que tinha sido de uma facada.

- Como foi isso?

- Foi quando aprendi até onde o sentimento de posse de um homem pode ir.

Eu não sabia o que dizer, então fiquei calado encarando a cicatriz.

- Eu tinha dezoito anos. Na época namorava com meu primo. Se é que podia se chamar de namoro o relacionamento que tínhamos. Eu tinha acabado de entrar na universidade. E ele não lidou muito bem com isso. Ficou me perseguindo, enciumado. Acabei o relacionamento e ganhei essa cicatriz de presente.

- E ele?

- Meu pai quebrou as duas pernas e a mão direita dele depois. Nunca mais tive notícias.

- Mas eu pensei que você não tinha pai.

- Não tenho pai biológico. Mas ser pai é muito mais do que isso.

- É verdade.

- Minha mãe teve um namorado que conviveu conosco por dez anos. Eles se separaram quando eu tinha uns dezesseis anos.... Na verdade minha mãe que o afastou, por ciúme.

- Ciúme?

- Sim. Ciúme de mim. Ela botou na cabeça que ele tinha interesse em mim. O que nunca foi verdade. Até hoje ela tem crises histéricas quando eu vou na casa dele. Mas fazer o que? Problema dela.

Assenti com a cabeça e a deixei terminar o banho sozinha.

Me joguei na cama e fiquei encarando o teto, tentando processar tudo o que ela havia me dito. Talvez eu tivesse um imã para pessoas com passado conturbado.

E dessa vez o passado dela parecia bem mais conturbado do que o meu.

Ela saiu do banheiro enrolada numa toalha e eu permaneci na cama, perdido no meio dos meus pensamentos, até que caí no sono.

Acordei de súbito com o peso do corpo dela sobre o meu.

Ela tinha uma faca pressionada contra o meu pescoço. Pela dor que senti no momento, a faca não estava cega.

Ela sorriu e falou.

- É bom que você fique sabendo que eu sei tomar conta de mim mesma.

Ela estava completamente nua e havia uma fagulha de insanidade e resolução em seus olhos enquanto me encarava.

Tentei manter a calma e apenas balancei a cabeça concordando.

Ela afastou a faca e a jogou no chão. Depois abaixou a cabeça e passou a língua sobre o pequeno corte que havia feito no meu pescoço.

Então foi descendo até alcançar o meio das minhas pernas.

Ela sabia o que estava fazendo.

Fechei os olhos e deixei me levar pela loucura do momento,

sem ter a mínima noção onde poderíamos chegar.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 11/04/2022
Reeditado em 11/04/2022
Código do texto: T7492802
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.