UMA MANHÃ NA FACULDADE*

UMA MANHÃ NA FACULDADE

Pronto! Acabou-se! Só em abrir a boca já matei alguma regra gramatical. Não duvido! Quero dizer a todos (colegas e professores): o que estou fazendo agora nada tem a ver com poesia, teatro, drama, coisa alguma, ou por outra, não tem tais objetivos. Apenas desejo retratar o que sinto ou passo em uma manhã na faculdade. Caminho pelas ruas. O sol está acordado. Tudo é beleza, cor. Verde das árvores, o branco gostoso das casas bacanas que há por estas bandas. E o sol distribui soizinhos fosforejantes no vermelho vivo de um Corcel, no para-choque cromado de um Dodge Dart amarelo. O que não agrada é a podridão dos caixões de lixo nas calçadas. Êta faculdadezinha acolhedora! Dom Luciano acertou em cheio. Bom dia, Leôni. Já tocou? Oi, seu Wellington. Ave, Maria! Tânia, você e Bernardo não tomam jeito. Vão logo. A professora já está na sala, é a três. Obrigada, tchau. Puxa! Mais uma vez atrasada. Perdi o jornal. O filme já começou. Romanos, romanização. A Península. Santiago de Compostela. Portugal, Leão, Castela, Aragão e lá se vai a coisa aumentando. De repente, o lirismo com os trovadores, as chorosas donzelas, os menestréis, albas, paralelísticas; rimas pobres, rimas ricas, atá-finda, enjambement, cesuras, ictos, sub-ictos e palavras perdudas; D. Dinis, Fernão Lopes, Gil Vicente, Sá de Miranda. A turma toda. Sabe do que se trata? Da Dependência. É nove horas ou São nove horas? Tanto faz como tanto fez. Neste caso, as traidoras concordâncias estão me ajudando. Intervalo. O intervalo é minhas delícias. Novamente concordância. Mas não dá para nada. É o momento da locomoção. Subir. Aula de Filosofia no anfiteatro. É a confraternização dos alunos de quase todas as unidades. Atenção, passageiros da Pan American! Queiram dirigir-se aos túneis. Já estamos confortavelmente alojados num jato moderno, aliás, tudo é moderno. Agora sim, um horizonte maravilhoso se descortina aos nossos olhos: Estados Unidos da América; Itália, Inglaterra, França; Índia, Bagdá; Universidades famosas, cidades exóticas. O piloto é o mais culto que se conhece. Ninguém mandou apertar os cintos, mas já aterrissamos. Sócrates, o "parteiro de espíritos", Platão e Os degraus do Belo, Aristóteles e suas máximas são temas de sempre. Novo intervalo. O homem do sorvete chegou. Começou a guerra na cantina, D. Maura desliza rápida com a bandeja de café. Na sala dos professores o assunto é o Regime de Exclusividade. Outra aula. Bom dia. Psiu! Olha para mim, pessoal. Vamos ver o que dizem os grandes mestres Souza da Silveira e Said Ali sobre os pronomes demonstrativos e, por falar no assunto, vocês já compraram a Gramática de Celso Pedro Luft, ou estão esperando Godot? Vocês precisam saber que ESTE é pronome da primeira pessoa, ESSE é da segunda e AQUELE, da terceira. Não se usa o artigo antes de pronome possessivo. Pra quê? Alguém empurra e abre a porta. Licença, professor, a Diretora manda chamá-lo. Vocês estão cansados? Eu também estou, mas não se preocupem. Já vai chegar o último horário. Atenção! Aviso! Não vai haver mais aula. Das onze às doze haverá reunião de professores. Ah, meu Deus, o Regime de Exclusividade. Vamos gente, até amanhã, Leôni. Até malandras. Tragam retratos para as carteiras de estudante.

(Esta crônica foi escrita no ano de 1969).