O prazer de fazer o mal

          Anda deitado nas redes, especialmente sociais, sobretudo nesse período eleitoral, tampouco cochila. O mal, acordado, de olhos tesos, estendendo o faro à vítima que deseja, reptiliano, ataca, com certeiro bote, as mais inocentes criaturas. Seu potente veneno tem sido geralmente a mentira, fantasiada de mensagem, disfarçado de fake news, mas vigilantemente acordado. Às vezes, a maldade associa seus agentes em comitês, chamados politicamente de “comitê ou gabinete do ódio”; daí geram asseclas que se gratificam pela quantidade da divulgação. Tecnicamente instruídos até ao grau de hacker. Mas como não só se dedicam ao conhecimento da informática, vivem para invadir e fazer o mal, ganhando outro atributo, o de cracker.
        
Mesmo existindo tanta maldade, ainda há quem, teoricamente, pergunte se o mal existe, divergência questionadora para a mais profunda filosofia. Age, duvido que alguém não se aperceba que o mal tenha atingido tanta gente. Onde existe? Na correlação existencial entre a humanidade e a maldade. Pois, o que seria da maldade sem os humanos? Todavia, é de se admirar a sobrevivência da reta conduta, entre nós, sinal de que a natureza em si se salva, nada tem de maldade. Tudo começa, em casa, quando a criança se determina a matar pássaros; a colocar sal grosso no espinhaço dos sapos ou a jogar-lhes, para serem engolidos, grandes pregos, quentes pelo fogo até a incandescência. Formou-se brincando com a maldade, entre os desacertos familiares e a valorização da violência. Em seguida, avolumam-se os insucessos e as frustrações, quando se motiva o cultivo da inveja: comparações com aqueles que se demonstram capazes. O fracasso se caracteriza como uma das revelações da sua maldade. Assim, os perversos provêm da limitação da boa natureza e sobretudo da sua contingência ontológica.
          Há quem se irrite, quando se indaga sobre o seu passado ou envergonha-se, quando se pede o seu histórico... Porque vive a denegrir os outros, na tentativa de fazer dos outros seus semelhantes. Mente desvairadamente, numa contínua fabricação de fake-news. É nisso e disso que o mal se vangloria. Ao contrário, quem realiza e tem um histórico de bom trabalho dá consistência ao seu sucesso e garante o mérito de coroar, com justiça, o seu “bom combate”, superando a inveja, o ódio e a mentira. O ódio persiste no modo pelo qual o odiento tem vontade de se transformar no odiado e no invejado se converter, para fugir do fracasso. Se acontece a sorte de uma ligeira vantagem, ela não justifica que o mal deva existir, mas se constitui o prazer de fazer o mal ou a conduta perversa, que mesmo parecendo “sofisticada”, ela contém em si a brutalidade da violência.
          O mal é o mal, sem mudar ou diminuir de tamanho; sem perder suas essências de mefítico. O genial paraibano Milton Marques, que nos honra na confraria da APL e na docência universitária, tira pérolas da sua sabedoria greco-latina, no seu esplêndido texto “Em Pele de Cordeiro”, alertando-nos de que “o mal não dorme (...). Não tem glândula pineal. Não precisa de repouso nem de contato com o mundo espiritual. O mal é absolutamente insone”. E tampouco cochila. Milton recorre à sua cultura grega para atribuir ao mal “os cem olhos de Argus” que, com a visão aguda como a da águia, repousa dois olhos, enquanto mantém vigilantes e acordados os outros noventa e oito. O mal é assim contra a nossa displicente miopia. Enfim, Milton admoesta-nos distância do mal ou, se na proximidade, cortar a cabeça e os tentáculos dessa nociva hidra, como fez Hércules, matando essa coisa que causa perigo público e desordem social.