NAS IGREJAS TODO MUNDO É SANTO - A Nau dos Indecentes na Era dos Shopoping Centers

Os urubus estão no telhado durante o tempo em que na minha frente, sobre a mesa, "a carne seca é servida". Enquanto isso, "um escorpião encravado na sua própria ferida", recita poesias de Torquato Neto, o Anjo Torto: "Só quero saber do que pode dar certo / Não tenho mais tempo a perder." Bálsamo para a alma com suas feridas abertas, expostas... Mas, como bem disse outro poeta piauiense, “a poesia não resolve / revolve”. Ela tem, portanto, a maestria de levar nossas mentes e almas subjugadas diante dos conceitos duma nova formula de ver a vida e viver para uma estreita porta de saida.

E nessas agruras anímicas, seguimos numa convivência "sartreana" onde, entre quatro paredes e convivências (anti)sociais, a maioria não gosta de ler... Prefere celular e TV.

Quando a tarde está raivosa, a cidade de Teresina é sacudida pelos conhecidos vendavais do período chuvoso. Relâmpagos cortam céus e trovões anunciam que não tardará chover. O vento forte faz convite à roupa da nova patricinha das cavernas sagradas: mostrar a intimidade da moda estropiada nas cercas farpadas do sistema do "bem se mostrar” – mesmo com a conta no vermelho devido à futilidade induzida pela mídia atual da nova Era Shopping Center de consumo.

Tempos difíceis! Raramente livros e autores são assuntos das atuais rodas de conversa.

Nas telas digitais de (des)informação, uma maioria de falsos formadores de opinião, mestres na arte do autoengano, portadores de canudos duvidosos, pouca leitura e muitas falácias - quem dera tenham lido “A Arte de Ter Razão”, de Schopenhauer -, orgulha-se de criar um novo império com seus ditadores e aniquiladores de mente. É o reinado do “Besterolismo televisivo” sob o comando de pseudointelectuais: verdadeiros devastadores dos sobreviventes de periferia - estes, mais frágeis, entregues aos hodiernos "trash midiáticos" carregados de inutilidades e sangue.

Chuva e raios na chapada urbana, água correndo, lavando a terra... levando sujeiras das ruas e dos homens para os bueiros: caminhos que devastam outras águas!

A patricinha, a caminho da igreja, esquiva-se dos primeiros pingos d'água; medo do risco da transparência. Esconder o corpo, não se deixar mostrar no agueiro, muito menos no lamaçal; desconhece, ela, que toda espiritualidade é transparente: manifesta-se a todo instante pelo nosso olhar, pelas nossas ações... Nas igrejas todo mundo é santo!

Os relâmpagos riscam versos nos céus, tentando mostrar aos homens uma dimensão maior: transcendental!

Aproveito os lampejos de luz celestina momentânea e viajo entre palavras enigmáticas das últimas horas do poeta: "Tenho saudade (...) do dia em que sentia e achava que era dia de cego...” Um raio cai na minha mente: nada mais obscuro, tudo muito claro. A chuva continua despencando sobre cabeças estropiadas pelas aparências de consumo, aparências sobre feridas de verdades expostas, mentes sob a chuva devastadora de conceitos efêmeros, vidas sem o magnetismo da enigmática proteção do espírito poético.

- Tá na hora de fechar, moço! O "toró" desaguando, o guarda alertando sobre a intempérie: o fortuíto impondo sobre a força maior. Apenas cinco da tarde, leitura com hora marcada, muita chuva me espera. A noite não tardará chegar. Atrás ficaram cópias "d'Os últimos Dias de Paupéria”, trancafiadas na indiferença dos homens. Desprezo com a cultura, o tempo hodierno impondo regras, horas... A “burrocracia” não nos deixando viajar mais tempo nessa “Navilouca”.

Vou indo, anotações sob a roupa. Retalhos da busca sob as incertezas resguardadas às horas incertas. A chuva faiscando nas paredes de concreto, querendo entrar, arrastar segredos íntimos dos homens. As águas lavando o asfalto, levando papéis com anotações que jamais serão relidas; quem sabe, pedaços de vida anotados nas horas de desespero.

Quebro a primeira esquina e me deparo com a porta de um bar de strip-tease. Uma jovem, molhada e com pouca roupa transparente, sem vergonha de se expor no agueiro, brinca com o microfone com gestos de quem, diariamente, para sobreviver, acostumou-se a degustar um "fálus": casa de show tal e tal... a putaria que deu certo; não fecha nem de dia e nem de noite, nem com chuva, meu amigo. Quer entrar, moço?

Momentaneamente, um outro anjo, pornográfico, insinua no meu ouvido: "E se nesse puteiro funcionasse uma casa de cultura, sem hora pra fechar; beleza, não!?"

Deixemos para lá; esqueçamos...! Afinal, os anjos tortos não sabem o que dizem e "todo dia é mesmo dia de amar-te e a morte morrer".

Kal Angelus
Enviado por Kal Angelus em 15/04/2022
Reeditado em 15/04/2022
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