A ESTRANHA SIMETRIA DO QUADRO QUE MEU PAI PINTOU

Meu pai teve a excelente ideia de reformar a nossa casa. Retocou paredes, rebocou uma janela que fechara anteriormente, pintou várias partes da casa com tinta de boa qualidade. Ele economizou durante um bom tempo, enquanto planejava todas as mudanças que intentava fazer.

Ao terminar a parte final, o acabamento o incitara a realizar algo diferente, uma extravagância que não estava nos planos, nem no orçamento. Juntou mais alguns trocados e pediu pelo site de compras, um kit de pintura. A encomenda chegou duas semanas depois e encheu de entusiasmo o meu velho. Pude ver o brilho em seus olhos quando abria o pacote e, como uma criança curiosa e ávida por descobrir o novo, tocava em cada item do Kit: eram bisnagas de tinta a óleo, das cores básicas, alguns pincéis, de espessuras e materiais diferentes e uma paleta para mistura de tinta.

Nos dias seguintes, eu e meus irmãos vimos surgir rabiscos, em medidas calculadamente riscadas, figuras de diversas formas geométricas foram aparecendo. Também uma moldura em 3d foi desenhada. Em seguida, uma espécie de túnel foi se formando. Pensávamos que se tratava, inicialmente, de uma estrada modernizada, mas estávamos enganados. Minha irmã Lara arriscou um palpite de que seria o interior de um submarino, também sem sucesso. As suposições se alternaram entre todos de casa, depois alguns visitantes também erraram feio seus palpites.

Seu Laercio continuou com o mistério, parecia que o interesse de todos em tentar descobrir antecipadamente o que seria o quadro, dava a ele uma importância sem igual, o enchia de orgulho e contentamento. Após três dias, finalmente conheceríamos a obra de arte tão esperada e tão protegida pelo seu autor. Ele a manteve coberta, desde que a concluíra na noite passada, o que aumentou em muito o suspense. Faltou mesmo ele promover um churrasco ou um grande evento para a apresentação de seu feito mais incomum. Quando retirou o pano que cobria o quadro, foi uma sucessão de rostos virando para a esquerda e para a direita, em uma tentativa de entender as formas e o que elas representavam. Havia uma estranha simetria que deixava a todos um pouco confusos ao olhar fixamente, mesmo que por um breve período de tempo. O quadro era dividido em duas partes exatamente idênticas, lado a lado, mas o mais curioso é que se virássemos o rosto para ver lateralmente, veríamos exatamente a mesma imagem, o que não seria possível, olhando na posição normal.

O artista certamente possui qualidades que os meros mortais não compartilham. A explicação que papai declarou sobre a obra, intitulada de “A Sala de Emergência”, deixou todos atônitos, devido a impossibilidade de concordarem. A incompreensão é algo que muitas vezes faz parecer que todos ao seu redor possuem antipatia por você, pois quando as pessoas não compreendem alguém, tem a tendência a fazer comentários nem um pouco incentivadores, ou simplesmente o evitam. Foi isso que aconteceu com meu artista da família. Ninguém conseguia proferir um elogio, mínimo que fosse. Isso foi minando a confiança e o entusiasmo de meu pai, que pouco a pouco, deixou de mostrar às pessoas o seu primoroso projeto. O que sentia era quase vergonha de ter pintado aquele quadro, de tê-lo exposto a todos, de tê-lo feito logo na sala de sua casa.

Passado alguns meses, todos esqueceram de tecer comentários de qualquer tipo sobre a obra de meu amado pai. Ele passa as horas contemplando a simetria estranhamente perfeita de sua arte. Chegou à conclusão que as melhores e mais perfeitas coisas do universo são dotadas de formas que jamais serão completamente compreendidas por terceiros, pois podem causar um turbilhão de confusão nas mentes, desde as mais simples às mais complexas.