REFLETINDO EM BRASÍLIA

O texto abaixo é parte do livro Saudações Sindicais de minha autoria, que conta a história do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Pitangui MG. O livro está à venda pela Editora Livrorama e a versão ebook pela Amazon.

REFLETINDO EM BRASÍLIA

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Em março de 2013 eu participei da Marcha do Trabalhador em Brasília.

O presidente , José Vantuir e eu fomos para Belo Horizonte para a sede da Federação dos Metalúrgicos e saímos em um ônibus fretado, viajamos a noite toda e chegamos à capital brasileira ao amanhecer.

E também por lá chegavam vários ônibus de todas as partes do Brasil.

Nosso sindicato por muitas vezes se engajou em lutas e manifestações assim.

A marcha começou e trabalhadores de todos os cantos rumaram para os palácios do governo e congresso para pediram o avanço em seus direitos e condições mais dignas de vida e de trabalho. O protesto não era para resgatar um direito perdido, se fosse, nos dias de hoje, seria apenas como se diz, para correr atrás dos prejuízos. Não, o protesto era para adquirir novos direitos como por exemplo uma jornada menor do turno de trabalho. Queríamos avançar na luta depois de tantas conquistas ao longo do tempo. E aquilo foi muito bonito.

Ouvi rumores de que pediriam uma reunião com a presidenta Dilma. Eu pensei: -Ah isso é impossível, no máximo, ela vai indicar algum representante menor do Ministério do Trabalho. Nem o Ministro deve aparecer. Mas eu estava errado, pouco tempo depois de ter pensando isso, chegaram com a notícia de que a presidenta receberia uma comissão extraída das centrais sindicais do movimento, com um representante de cada. Aquilo foi já uma conquista. A classe trabalhadora vinha de um longo histórico de conquistas e lutas e esse movimento não podia parar.

Foi emocionante a marcha e todos aqueles representantes dos trabalhadores de todo o Brasil com bandeiras na mão, todos no mesmo ideal e lutando pelas mesmas conquistas.

Infelizmente houve um grande retrocesso nessa luta, pois com a famigerada reforma trabalhista o trabalhador perdeu grande parte dos seus direitos adquiridos ao longo de muitos anos muita luta e sofrimento. A reforma feita por representantes das grandes elites, parlamentares por ela manipulados e infelizmente com o aval do povo, do povo mais pobre até, nas urnas, ceifou de vez as conquistas. Deu poder à classe patronal e limitou o poder dos trabalhadores.

Reforma de previdência, congelamento de investimentos em saúde e educação e outras barbaridades, tudo isso foi feito para minar ainda mais o acesso do povo mais pobre aos direitos mais elementares. Medidas que prejudicam somente os pobres, pois rico não precisa de saúde pública nem de educação pública, pode pagar escola particular para seus filhos, pode custear planos de saúde. Rico não precisa de SUS para se tratar, não precisa de previdência publica para se aposentar, pois pode pagar previdência privada e investimentos na área financeira (bolsa de valores, aplicações financeiras e outros) para garantir uma velhice tranquila. O corte de direitos afeta apenas os mais pobres. Esse projeto quer minar as classes mais baixas e fortalecer a alta. A elite através de seus políticos representantes gera injustiças e miséria.

Depois que o movimento dispersou e enquanto esperava o momento de voltarmos passeei um pouco pelas ruas da nossa capital que é mesmo muito bonita. Com a genialidade de Oscar Niemeyer aqueles contornos arquitetônicos nos remete à modernidade e a um sentimento de leveza e de bem estar. O prédio do congresso, os ministérios, os palácios, a igreja, transitei conhecendo tudo por lá

Olhando tudo aquilo me pus a refletir sobre várias questões e adequo essas reflexões da época com a nossa realidade em 2022. O texto abaixo será redigido de forma bem simples, didático, um pouco repetitivo até, mas é a expressão mais verdadeira do que senti naquele dia e da evolução do meu pensamento de lá para cá.

Olhando os prédios palácios e ministérios, fiquei pensando:

É por detrás dessas paredes que estão os nossos destinos. Nada acontece na minha vida que não seja decidido aqui. Vivemos sobre o regime de leis e é aqui que elas são feitas e aqui é decidido como estas leis serão aplicadas.

Por trás da fachada destes prédios bonitos, nossa sentença de vida ou morte é decretada todo dia.

Porque são eles, os políticos, nossos representantes nos poderes que decidem os rumos do país e de tudo o que acontece com a gente.

Me acompanhe em meu raciocínio caro leitor (a):

Você trabalha porque ELES DEIXAM, porque a política econômica comandada por ELES permite que trabalhe. Produção em alta ou baixa, ofertas de emprego, emprego formal informal, tudo depende dos rumos da economia. Rumos que ELES TRAÇAM.

Você pensa que comprou aquela casa financiada ou aquele carro em trezentas prestações porque lutou e se esforçou, ou seja, unicamente pelo seu mérito, está enganado. Não vou desprezar seu esforço, sua capacidade de administrar suas finanças, isso é importante e com certeza ajudou na sua conquista, mas a verdade é que você comprou porque ELES DEIXARAM. E se o imposto sobre o preço do carro e da casa fosse bem maior, será que conseguiria comprar? E se diminuíssem seu salário, como pagaria as prestações? Se perdesse o emprego, se precisasse pagar tratamento médico de algum membro da sua família que o SUS não cobrisse conseguiria realizar seu sonho? Suas conquistas dependem deles, das facilidades ou dificuldades do momento econômico que não é você que decide, mas sim, eles. A sua situação econômica não é fruto somente do seu esforço, mas da economia como um tudo. Eu sei que dói saber disso. É uma pancada na autoestima, mas fizeram você acreditar nisso. Você está nas mãos deles

Vivemos sob o regime de leis e eles fazem as leis e podem mudar na hora que quiserem. O que faz de você um criminoso ou um homem de bem não são seus atos, mas sim a lei. Com a mudança de uma lei você passa do nada a ser um (a) criminoso (a), um contraventor (a), um bandido (a), praticando escondido (a) atos que pratica livremente e que até se gaba por isso. Vejamos:

Você gosta de beber sua cervejinha no fim de semana, sai com os amigos para a farra e se sente feliz com isso? Fica se gabando de estar aproveitando a vida? Pois é, que bom, mas isso pode mudar. Pois eles podem de repente aprovar a lei seca no país, proibindo a ingestão de bebidas alcoólicas e tornando esse ato um crime. Lei que existe em diversos países. Pronto, você se tornou um criminoso (a). E agora tem que beber escondido (a), pode ser preso (a) e passar vergonha por fazer algo que fazia livremente. Pois ELES DECIDEM se você pode beber ou não.

Moças bonitas gostam de exibir seus rostos, seus cabelos, seus belos olhos por aí. Mas e se eles aprovarem a lei da burca como existe em países islâmicos? Pronto, acabou, você se tornaria uma criminosa, podendo ser punida, apenas por mostrar o rosto. De uma hora para outra o que era certo e bonito, tornou-se errado e feio. Isso se ELES QUISEREM porque não é você quem decide se pode ou não mostrar o rosto, mas eles decidem por você.

Liberdade de expressão de posições políticas e ideológicas? Direito a se manifestar? Está lá na lei, que ELES FIZERAM. Você vai para as ruas e protesta por aquilo que acredita, pede o impeachment do presidente, protesta contra ou a favor a aprovação de uma reforma ou outra etc, mas se houver um golpe militar como em 1964, pronto, você perde o direito de protestar. E aqui saliento a contradição de alguns que usam o direito democrático ao protesto para pedir a volta do governo militar. Nada mais contraditório, pois aqueles que fazem isso estão protestando e pedindo para perder o direito de protestar. Clamam pela repressão. Você não concorda com o governo e protesta, mas após a intervenção, se você não concordar não vai mais poder protestar. Esse protesto pode ser o último.

Liberdade de crença e religião, existe porque ELES PERMITEM. E se alguma forma de fundamentalismo religioso for por eles decidida? O estado tendo uma religião oficial e o culto a apenas essa religião for permitido no país? Você não poderá mais ir á sua igreja fazer suas orações, se sua crença não se adequar à lei deles. A intolerância religiosa pode ser adotada aqui com perseguições a igrejas e muita violência como existe em muitos países. Não é você que decide se vai ou não á igreja. SÃO ELES.

Até já vejo algum néscio contestando - Ah Múcio, mas isso tudo está lá na constituição? E eu perguntando: -E quem faz a constituição?

-Quem faz o código penal? Quem decide o que é crime ou contravenção e o que não é? Quem decide a maioridade? O direito civil? As penas aplicadas? O direito de propriedade? Eles, aqueles senhores de terno que transitavam pelos corredores daqueles palácios . ELES DECIDEM TUDO.

O sagrado direito de ir e vir foi em parte interrompido durante a pandemia. Num determinado horário por decretos que eles, os políticos fizeram, as pessoas ficaram proibidas de sair à rua. Ou seja você achava que tinha o direito de sair na hora que quisesse e que o direito era seu, mas não, tudo vinha deles. Eles dão e eles podem tirar.

Eles decidem o que você vai pensar ou não. Quais as informações pode ter acesso e sabem qual o efeito de determinada informação sobre você.

Quem decide quais os livros didáticos serão usados nas escolas? Quais matérias você pode estudar?

Se houver alguma forma de controle dos meios de comunicação ou internet você terá acesso somente às informações que vêm DELES.

Se a leitura fosse difundida, se livro fosse barato se o hábito de ler e questionar fizesse parte do dia a dia do brasileiro, se o pensamento crítico fosse disseminado, a realidade seria outra. Mas eles não deixam, pois assim você vai entender as coisas e não vai aceitar muitas delas.

Resumindo:

ELES DECIDEM se eu vou ou não ter emprego.

ELES DECIDEM se vou ter casa, carro, bens materiais.

ELES DECIDEM Se vou ter ou não o que comer.

ELES DECIDEM Se vou ter um salário e quanto será. SE ELES QUISEREM podem baixar meu salário, ou até mesmo tirá-lo. E eu posso ficar mais pobre de uma hora pra outra. Se eles quiserem.

ELES DECIDEM se vou me vestir bem ou usar trapos.

ELES DECIDEM se vou ter acesso a saúde, a educação, a segurança ao bem estar...

ELES DECIDEM sobre a política econômica que determina os rumos de todas as riquezas que são produzidas no pais, para onde vai essa riqueza, em que ela será transformada, a que setor da sociedade ela vai beneficiar.

ELES DECIDEM o que vou aprender ou não.

ELES DECIDEM até o que vou pensar

Tudo, tudo absolutamente tudo ELES DECIDEM .

E muitos dizem que não votam, não gostam de políticos, que são todos iguais. Dizem que não participam. Não se metem em política. Mas isso é pura ignorância, pois participamos de qualquer forma. Você gostando ou não, votando ou se omitindo, falando bem ou mal deles. Tudo é política ela envolve tudo em nossas vidas e sua atitude em relação a isso, seja ela qual for é uma forma de participação que pode ser a seu favor ou contra você. De uma forma ou de outra você é guiado por eles o tempo todo.

Ao final da reflexão eu pensei na importância de se importar com isso. Na importância de se refletir o que cada um daqueles senhores que vi por lá, trajando ternos caros, andando de carros luxuosos pagos por nós, representa, a que interesses cada um representa na hora de votar leis e medidas? Será que votam pelo direito do pobre ou do rico?

E quais os meus critérios na hora de escolher quem vai para lá? Porque a escolha é escolha de toda uma vida. E o voto é o que da verdadeiro poder. Tudo, toda a nossa existência está nas mãos deles. Por isso é importante ter consciência e escolher aqueles que representam nossos interesses principalmente os interesses da nossa classe, porque se elegermos representante das elites e do grande poder econômico eles governarão e legislarão em benefício da elite e do poder econômico. Enquanto o povo continuar elegendo partidos e candidatos que votem a favor de leis do tipo reforma trabalhista, reforma de previdência, congelamento de investimentos públicos, estará elegendo seus inimigos no poder.

Tudo é mesmo decidido por trás daquelas paredes. A política tão criticada e verdadeiramente tão cheia de caminhos tortuosos é fundamental em nossas vidas. Estamos presos a ela e somos seres políticos. É preciso ter essa consciência do quanto ela envolve nossas vidas, e assim criar a consciência de participar e decidir. Pensar um pouco, analisar as propostas, acompanhar a vida publica dos candidatos, pesquisar sobre eles. Acreditar no papel de cidadãos que todos temos, pois ao votar estamos não apenas elegendo um candidato, mas colocando o nosso futuro naquele voto. O voto envolve toda a nossa vida em todos os âmbitos. Sem qualquer sectarismo ou partidarismo é preciso entender o caráter transformador da realidade que tem o voto de cada um. Enquanto tratarmos a política como algo qualquer, enquanto o voto for objeto de barganha e de interesses mesquinhos e enquanto pensarmos que tanto faz e tanto fez, que são todos iguais, e ao invés de elegermos partidos e candidatos que representem a nossa classe social elegermos os representantes da elite dominante, tudo permanece da mesma forma.

Pensem nisso. Vote consciente!

Aquela marcha e aquela reflexão me marcaram profundamente. Eu consegui uma visão mais profunda da importância e do valor da politica em nossas vidas. E senti algo muito forte, um pouco de desolação e um pouco de sensação de poder quando pensei: “Não há nada em minha vida que não seja decidido aqui nesta bela cidade no interior desses lindos edifícios”. NADA.

Há estava me esquecendo de contar para vocês: estou publicando esse texto porque ELES PERMITEM. Porque se houvesse censura como existiu em outros tempos no Brasil, este texto não seria publicado.

Depois de andar pelas ruas da bela capital brasileira, de participar daquele importante movimento social e fazer essas reflexões, voltei para a marcha do dia a dia no sindicato.