Ela...

Ela.

Ela se sentia sozinha numa noite de lua cheia, que brilhava intensa, num vale verde agora prateado.

Percebia o mundo num infinito indo e vindo e sorria para si mesma, com um leve marejado nos olhos.

Vivia, agora, um pouco menos tensa, por não saber muito do amanhã: tudo mudará em sua vida e ela, meio que sem rumo definido, sabia-se inteira, apesar de tudo o que lhe acontecera nos últimos tempos.

Renovara a vida, o guarda roupa, mudara o jeito de vestir e cortara bem curtinho os cabelos, que não eram mais tão claros como antes.

Mudara de cidade, de casa, de móveis e objetos, fez em sua vida um novo e metafórico parto, mas guardará em caixa bem cuidada álbuns com muitas fotos e algumas cartas que ainda lhe eram importantes.

Na varanda de sua casa, quieta, olhava para esta noite, de lua cheia que brilhava intensa num vale verde e prateado.

Os filhos já cuidavam de si e todos já estavam imersos no mundo do trabalho, dos estudos, de suas famílias e cuidando da própria vida.

Recentemente, passou a ser também avó, pois a filha mais velha tivera alguns meses atrás, seu primeiro filho.

O marido, com quem viveu um bom tempo, já não vive mais com ela: agora era um bom e grande amigo, tornara-se ex-marido, pois a rotina e a mesmice tomaram conta do amor, que enchia em tempos outros, os dias e as manhãs, as tardes e as noites, que nem sempre tinham uma lua cheia que brilhava intensa num vale verde e prateado.

O que restara de toda a sua história era ela, era a si mesmo, com seus sonhos, projetos, dores, prazeres e valores, desejos e idéias.

Cuidava da casa, do jardim, do seu novo hobby: estava reaprendendo a pintar.

Refez contatos com amigos e amigas de outros tempos, não esquecidos, mas distantes pelos movimentos do próprio viver: reencontro com a juventude, que só perde quem não está atento.

Agora, inicia-se um novo ciclo e ela, como mulher, pode ver com outros olhos o que antes nunca tinha dado atenção.

Olhando-se no espelho, observou melhor sua face e se viu muito bonita com os seus próprios sentimentos.

Ganhou coragem para falar sozinha, para si mesmo: como eu gosto de você e como quero cuidar bem, muito bem, de ti.

Descobriu-se alegre ao ouvir músicas e dançar sozinha pela sala, descobriu-se inteira ao olhar para os próprios pés e ver o quanto eles já haviam trilhado.

Descobriu que a vida é assim, cíclica.

E que o mais importante não é continuar a fazer as coisas sempre do mesmo jeito, mas ousar sonhar mais alto e viver melhor.

Ela se sentia sozinha numa noite de lua cheia que brilhava intensa num vale verde e prateado.

Não mais sozinha de si mesmo.

João Beauclair