Já faz algum tempo que passei a ver com "outros olhos" esse negócio de casamento.

 

Começando do convite que antes era um papel branco, super requintado, com caligrafia perfeita. Se tinha na margem inferior a frase "onde os noivos receberão os cumprimentos" acabava ali minha alegria infantil: não tinha festa. A esperança era um bombom de coco servido no adro da igreja. Se a mãe da moça fosse amiga de mamãe, a mão se enchia. O sabor inconfundível de parafina jamais sairá da minha lembrança, nem as dores de barriga.

 

A noiva não podia nem ver e nem falar com o noivo. Ficava apreenssiva o dia todo. E se eles se encontrarem? Um deles morreria? Acabaria o casamento sem início?

 

Os noivos receberiam os presentes em casa. Cada um na sua. De liquidificador à relógio de parede. Na minha cabeça, tudo que se repetia, era pra garantir a reposição ao longo dos anos, afinal casamento durava pra sempre, ou até a morte de um.

 

O ritual era tão importante que havia curso para iniciar a vida matrimonial, encontro pra escolher músicas e a igreja era enfeitada, conforme a conta bancária de cada um.

 

Mas de um tempo pra cá, esse negócio de casamento ficou estranho. O dia e a hora são marcados de acordo com a disponibilidade do vigário e, pra reservar a vaga, paga-se uma taxa simbólica (média 600 reais).

 

É proibido casar fora do templo. A não ser que tenha um padre na família. Ou venha um padre de fora que foi expulso da igreja por realizar casamentos contrários ao catecismo da igreja. Ele é um tipo "arroz de festa". Pra casar os divorciados, os solteiros, os amasiados! O Homem é um próprio Deus!

 

O convite, agora feito de papel marché, vem com clipe e minúsculos ingressos que garantem a entrada na festa. Lá também estará o endereço eletrônico para que possa escolher no site, o presente. Que faz parte de uma lista. Estou em dúvida se escolho a viagem de lua de mel ou o socador de alho, este por exemplo, custa 180 pilas.

 

As madrinhas são selecionadas a dedo! Numa caixa de madeira com chinelos gravados com as iniciais do noivo e um vinho, um bilhete discreto: aceita ser minha madrinha? E antes mesmo de demonstrar a felicidade uma observação: vestido com decote em V, tecido fluído, paleta azul bebê. Acessórios e sapatos prateados. O cabelo só poderá coexistir com o da nova se for trançado.

 

A gravatinha, antes vendida a preço de banana, deu lugar ao Pix, que não pode ser menor que 100 reais.

 

A cerimonialista fica ali na porta ditando as regras: sobe, desce, entra, corre, reza, come...

 

O fotógrafo tem uma equipe que sobe a luz, desce o tapete, sobe o tapete e desce a luz.

 

No sábado, antes do tal casamento planejado, encontrei seu Miguelito: 87 anos de vida e 62 de casamento. E numa conversa boa de um homem que carregou no colo a família, a indiscreta, que lhes escreve, perguntou eufórica:

 

- Vendo um casamento assim, como o de sua neta, qual o conselho o senhor daria a ela, pro casamento durar 60 anos?

 

Sem nem pestanejar, soltou:

 

- Parar com esse teatro! Nenhum casamento resiste a uma peça. Devia ter economizado pra não precisar de ajuda alheia pra montar a casa. Onde já se viu escolher o presente? Lita e eu casamos com uma geladeira usada. E, pior, esses holofotes não a deixam olhar pra ele. Nunca o enxergou, repare.

 

O silêncio foi quebrado com o som do violino, enquanto Miguelito, de mãos dadas com Lita, balançava a cabeça como quem negasse o ato.

 

- Que seja eterno, enquanto dure! 

 

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 24/04/2022
Reeditado em 24/04/2022
Código do texto: T7502077
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