Crenças pra que te quero

Outro dia, fazendo lista de compras, olhei o pote de sal. Minha mãe sempre disse que em uma casa não pode faltar sal. Nunca a perguntei o porquê, mas sempre imaginei que se falta sal, falta vida e alegria no lar. Não quero saber de outras razões, fico com essa que me faz lembrar de crenças que alguém um dia acreditou e eu também, aliás, acredito.

Daí me lembrei da Avenca, outra crença que passaram a minha mãe e ela me passou: que não se pode ter em casa, porque senão o marido vai embora. Nem marido eu tinha, não havia ninguém a partir. E assim cresci. Sem avenca, sem marido.

Andar de costas e deixar o chinelo virado, nem pensar! A mãe morre. Essas crendices as próprias crianças iam passando umas às outras. E por medo do amigo ficar órfão, todos eram guardiões uns dos outros, e o chinelo, nem quando era trave no jogo de futebol podia ficar virado.

Meu tio Carlos um dia me viu deitada de bruços no chão da varanda da casa de minha avó e me disse: “não deita no chão frio, porque senão não terá filho”. Eu era penas uma criança querendo me refrescar no verão de Vila Velha, mas o medo de crescer e não ter filhos me perseguiu até que um dia os tive. Um milagre! Tive dois filhos, mesmo tendo deitado com meu ventre no chão frio.

Papai Noel não passa se criança ficar acordada. E tem que deixar o sapatinho na janela ou debaixo da árvore de natal. Sempre dormi, ele sempre passou. Não queria ficar sem presente. Mas queria muito vê-lo. E cansada de apenas escutar o barulho de seu trenó (sim, eu escutava), resolvi fingir que dormia e vi meu presente sendo descarregado do carro. Ops! Do trenó. “Papai Noel” passou e deixou minha bicicleta que tanto queria.

Antigamente, quando as brincadeiras eram na rua, na porta de casa, criança tinha que “inventar moda”, e as vezes acabava brincando com o que não devia, como colocar fogo no Bombril e rodar, pular fogueira, fazer cara de caveira com mamão verde e acender vela dentro para assustar quem passasse à noite na rua. Mas sempre éramos advertidos: Criança que brinca com fogo, faz xixi na cama. Se fiz xixi na cama foi por excesso de água e não de fogo.

Quem nunca pensou em se valer da crendice de que vassoura atrás da porta serve para fazer visita ir embora? Não digo que já a usei, nem que não. Mesmo porque tinha um primo de minha mãe que era tão comilão que somente a falta de comida lhe faria ir embora. E assim, posso dizer, virou uma tradição esconder comida do Moreira. Certa vez ao ouvir sua voz no portão, minha avó gritou: “Corram com as panelas pra debaixo da cama que o Moreira chegou”. Comida salva, visita foi embora. Mais vale uma panela de frango com macarrão debaixo da cama, do que vassoura atrás da porta.

Lara Spalla
Enviado por Lara Spalla em 30/04/2022
Reeditado em 20/05/2022
Código do texto: T7506403
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