Que livro é esse?

Há quase três anos participo do clube de leitura Livros da Frederica. Para encompridar a conversa até o dia da discussão do livro do mês, temos um grupo de zap em que compartilhamos ideias poéticas, musicais, cinematográficas, além de comentários sobre o livro escolhido do mês, com o cuidado de não tirar a graça da leitura de ninguém.

Nessas postagens é comum admirações, “que livro é esse!”, “como essa pessoa escreve bem!”, “devorei o livro!”. Tem sido assim, quase sempre. Quase... Porquê dessa vez, após postagens elogiosas, uma pessoa questionou: Têm certeza que o livro que estão comentando é o mesmo que estou lendo? Porque esse aqui, na minha mão, estou detestando.

E agora José? O livro presta, ou não? Vale a pena ler? Opiniões diversas acerca de algo envolvem não apenas os livros. Você não já achou alguém super simpático e essa mesma pessoa era vista como antipática por outra? O que influi nessas avaliações? Subjetivismos, percepções, os tais conhecimento prévios, as crenças, como as pessoas foram moldadas, e assim todos os fatores que interferem numa apreciação ou interpretação.

Lembrei da história da conversão de Santo Agostinho, contada em Confissões, que num momento de busca de respostas para a sua fé, teria ouvido um coro de crianças cantando uma música que trazia no refrão o verso “toma e lê”. O entendimento dele foi que estava sendo impelido a ler algo. Como havia uma Bíblia ao seu alcance, foi o que fez. A abertura aleatória levou a uma das cartas Paulinas, no versículo que trazia a mensagem que ele precisava ouvir, em resposta às suas dúvidas e angústias. E se deu a conversão.

Foi uma situação real? Como interpretá-la? Crenças, conhecimentos acadêmicos, proporcionam explicações várias para esse fato, todos compatíveis com aquelas convicções. Ou seja, o fato é o mesmo, mas os olhares que são lançados sobre ele podem ser os mais diversos.

Do mesmo jeito é com o livro. É um só, os leitores é que são vários e as percepções que cada um tem sobre a mesma história podem ser diferentes, segundo a formação (ou deformação) pela qual a pessoa passou. E isso vai interferir em sua análise/julgamento. O tema da história que está sendo contada no livro vai ao encontro ou desencontro das convicções de quem lê? E aí a sua avaliação acaba sendo apoiada nisso.

Outros fatores interferem, claro, e podem contribuir no julgamento. Foi indicado por alguém de credibilidade? É de um autor que eu amo? Todos dizem que estão gostando? O linguajar, a forma de escrever, os experimentos linguísticos, despertam a atenção? Os “ganchos”, as viradas da história estimulam a leitura? O momento que a pessoa vive é favorável àquele tipo de texto? Toda essa carga vai influir e o leitor, diante da obra, vai se emocionar ou não. Vai gostar ou não. Uns, mais que outros. Outros, nem isso, detestando mesmo. O que não quer dizer que a pessoa não possa ir na contramão das opiniões favoráveis, como a criança que diz “o rei está nu” e iniciar um novo ciclo de avaliações a partir daí, na direção do “não é bem assim...”.

Por isso, é sempre bom lembrar o que me disse uma amiga querida após a leitura e discussão de um determinado livro: Nando, o livro que eu li, eu não gostei muito. Mas esse que você leu e comentou, eu amei. É a tal leitura da leitura...

Fleal
Enviado por Fleal em 03/05/2022
Reeditado em 04/05/2022
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