O melhor dia para morrer

Qual seria, pois, o melhor dia para morrer? Por acaso, uma segunda-feira, daquelas bem chatas, cinzentas e sonolentas, em que se acorda com vontade de matar um porque se perdeu o sono duas horas antes de o despertador tocar? Pensando bem, não. Não daria tempo de colocarem outro na minha função e a fábrica não pode parar. Ai de mim se eu morresse em uma segunda-feira! Seria um homem morto! Que tal em uma terça? É um dia estranho, nem-lá-nem-cá; pra mim, não fede e nem cheira. Dia perdido no nada da folhinha de parede. Hum... na terça-feira, não posso. Tem o clubinho do truco, à noite, na casa do Tião. Quem falaria "dá pelo lado que dói menos" se não eu? É... terça-feira está fora de cogitação.

E morrer em uma quarta-feira? Depois do meio-dia, talvez? Ah, mas acordar cedo e trabalhar meio período pra morrer? Melhor nem acordar. Na-na-ni-na-não! Tem mais: quarta tem jogo e eu não posso morrer sem ver o Palmeiras ganhar um Mundial! Xá queto. Na quinta-feira seria interessante! Morrer na quinta e ir pro quinto! Dá um trocadilho bacana. Banana! Acabei de me lembrar que às quintas, depois do meio dia, quem fez, fez! Depois, é só ladeira abaixo. Uma boa noite de sono me daria uma morte tranquila no outro dia. Morreria descansado. O outro dia seria sexta! Que fosse da Paixão, sextasamba, sextaneja. Eu tomaria cerveja e morreria feliz! Epa!, mas quem, em estado de felicidade, desejaria morrer? Eu, hein?

Sábado... sábado... Hum... No sábado, já teria cumprido com minhas obrigações laborais e estaria à toa. Seria um dia oportuno. Teria que ser de manhã porque aí me enterrariam à tardinha e eu não estragaria os festejos dos meus amigos à noite. Poderiam ir ao bar, beber e me chamar de filho da puta! Puta? Puta é a vossa mãe, viu? A minha, não! Não darei esse gostinho a vocês! Eneaotilnão! Restou, então, o domingo. Puts! Logo o domingo, que é o dia em que eu acordo mais tarde, dia de preguiça e de almoço em família? Teria que ser após a refeição, então, depois de eu me empanturrar com a comida já deliciosa da minha mãe, especial aos domingos. Bom, uns quilos a mais após comer faria uma diferença considerável para quem fosse carregar o caixão e eu não gosto de dar trabalho pra ninguém. Se eu pudesse, depois de morto, iria a pé para o cemitério...

Eita! Acabou a semana! Pensando bem, vamos parar com esse lance de morrer? Que irei, irei. Ninguém fica pra semente; pra titia, sim. Ademais, meu plano funerário está atrasado e minhas parcas economias não custeariam todo o espetáculo. Deixa pra lá...

Cruz credo! Credo em cruz! A vida urge!

Antônio Carlos Policer
Enviado por Antônio Carlos Policer em 03/05/2022
Reeditado em 03/05/2022
Código do texto: T7508245
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