SEGREDOS DE UM COLCHÃO

Extraído do livro do autor: "Tute - Brincadeiras de papel

Andando pela cidade observo que nos últimos anos ocorreu a proliferação de estabelecimentos que comercializam colchões. A quantidade de lojas ofertando o produto extrapola o exagero, e haja criatividade para anunciar o objeto. Então me pergunto como age esse comércio para fazer frente à concorrência, se assim como outros produtos o colchão também tem sua vida útil que gira em torno de 2 a 5 anos, de acordo com as características de cada um. Penso também que poucas pessoas tem o conhecimento do prazo de validade. A forma como se comercializa colchão mudou e parece que tem uma guerra nessa categoria de produto. Ainda, pelo que eu saiba a aquisição de um colchão não é feita por impulso e há ofertas numerosas no varejo.

Os apelos para atrair clientes vão desde a exposição na mídia, panfletos nos semáforos, passando por bandinhas, palhaços, equilibristas e super-heróis, e mesmo assim as lojas estão sempre às moscas. Há lojas que aceitam o usado à base de troca, umas oferecem o “teste-drive”, e tem aquelas que exibem banners indicando que colchão novo estimula o casal à pratica sexual, o Viagra anatômico. E onde iriam parar os usados? Muitos são desprezados e vistos atirados às calçadas ou navegando à deriva por nossos córregos e rios já tão poluídos. Ao ver um deles abandonado, tento imaginar a quem ele silenciosamente serviu.

Vale ressaltar que nem sempre o colchão foi como o conhecemos agora. Estima-se que ele é uma das invenções mais antigas do mundo e no decorrer dos séculos sofreu incontáveis variações. Existem diversos modelos e materiais utilizados. Como a necessidade é a mãe das invenções, nos primórdios da humanidade o homem percebeu que dormir no solo duro não era mole não. Visando maior conforto, nossos ancestrais tiveram a ideia de dormir sobre montinhos de folhas e de palhas secas. Das cavernas aos faraós, dos gregos e dos romanos à revolução industrial, o colchão sofreu processos de evolução até chegar ao formato como o conhecemos hoje.

Colchão não é um simples objeto utilizado para deitar-se e/ou dormir, ou muito menos um local para se guardar dinheiro, como afirmava fazer nossos avós, ele é muito mais do que aparenta ser. Oferece refúgio ao usuário proporcionando um sono com qualidade. É cumplice de sonhos divinos e de pesadelos infernais, testemunha de amantes na plenitude do gozo, da solidão depressiva e presente em todas as ações vividas em momentos íntimos.

Traz em sua essência o poder de bem acolher na intimidade da alcova e oferece o acolhimento de um novo ser, assim como o justo descanso de um guerreiro em sua satisfação de ter vencido mais uma jornada ou o crepúsculo da vida do corpo de um moribundo em seu último suspiro. Diferencia-se dos demais objetos, pois traz em sua essência o poder de bem acolher na intimidade da alcova. Submisso ao seu dono tem um tempo útil de uso e de servidão, enquanto novo dedica conforto em profusão, após anos de uso é desprezado sem compaixão.

Além dos ácaros, dos fungos e das bactérias entranhados em seu intimo, guarda muito mistério e quiçá muitos segredos. Segredos esses que estão nos suores impregnados de noites bem ou mal dormidas, sejam dos sonhos nele sonhados, das ações de amantes voluptuosos, ou ainda dos pesadelos em momentos de terror noturno e de insônia descontrolada.

Companheiro fiel e infalível carrega marcas de ações inimagináveis com a plena certeza que nunca revelará os segredos e os momentos de atos sobre ele praticados. Antes de abandonar o seu colchão, pare e pense, quantos segredos estariam incrustados no seu colchão?

Samuel De Leonardo (Tute)
Enviado por Samuel De Leonardo (Tute) em 10/05/2022
Reeditado em 10/05/2022
Código do texto: T7513127
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