(Re)Conheci Jesus numa de minhas viagens pelo mundo.

De pele parda, cabelos ondulados, barba por fazer e aquele olhar triste, de quem conhecia do mundo, as mazelas.

Um homem magro, abatido, de semblante cansado.

Seus passos eram curtos, mais pela companhia que trazia aos pés, uma matilha de vira-latas. Era nítida a ligação afetiva entre eles, parecia que os cachorros sorriam.

Nas mãos, trazia uma sacola reciclável. Interessante que no seu interior, havia apenas aquilo que ninguém mais queria, que foi descartado, que foi recusado, que foi rejeitado.

Mas o homem, carregava aquela bagagem, por muitos discriminada, como se fosse seu verdadeiro tesouro.

Não estava nu, nem tinha as mãos transpassadas por espinhos. Vestia-se com trajes, poídos e encardidos, um blusão de frio do tipo astronauta, sem abotoaduras.

Jesus não parecia ter casa que pudesse chamar de sua, perambulava por aquela infinita avenida, em movimentos de vai e vem, como quem soubesse que a ida, anulava a volta.

Recusou o trocado para o almoço do dia seguinte. Disse que tinha o suficiente. Recusou comida, se não pudesse compartilhar com os amigos. Cães não são os maiores?

Jesus, não tinha uma cruz onde reclinar seu corpo, aguardando a chegada hora. Um cobertor queimado, e uma coroa feito turbante: o frio não dava tréguas. Pra quem mora nas ruas o jornal é o único abraço.

Deitado, a lado dos amigos que nunca o dispensou, apesar das fraquezas humanas que o definhou, acobertou com ternura aqueles que ficaram, quando ele mais precisou e menos merecia.

Eu vi Jesus, na praça de uma estação de metrô. Vi o Jesus, vários dias. Até que numa manhã o levaram, juntando tudo o que tinha, num caminhão de lixo.

E quem diria que Jesus, logo Jesus, terminaria assim... Não era a primeira vez!

 

*Jesus era nome próprio de um morador de rua. Fato real.

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 11/05/2022
Reeditado em 13/05/2022
Código do texto: T7513988
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