PRELÚDIO

Extráido do livro do autor: “Tute – Brincadeiras de papel”

O garoto passava em frente à casa quase todos os finais de tarde. Distraído como qualquer adolescente, não notara a princípio, que duas jovens, estrategicamente sentadas no muro da residência, o observavam. Com o passar dos dias tomou ciência e sentia que elas o seguiam com os olhos até desaparecer na curva na avenida. Aquele era seu trajeto obrigatório nas caminhadas diárias que fazia em direção à escola. Frequentava, então, no período noturno, os primeiros anos do curso ginasial.

No início, sua timidez o força a trocar de calçada. Mas, decorridas algumas semanas, cria coragem e então se atreve a cumprimentá-las. A reciprocidade de ambas o deixa confortável e feliz. Uma delas desperta sua atenção e mexe o com o imaginário. A sensação fica ainda melhor quando comenta sobre as meninas com Jurandir, também conhecido por Fenemê, um amigo da escola, que fica entusiasmado com o relato e se interessa em conhecê-las.

Eles então combinam de seguirem para o local e no horário onde as meninas costumavam estar, apoiadas ou sentadas no muro, como que a esperar. O primeiro passo foi se apresentarem e perguntarem o nome delas. O acanhado adolescente já havia se encantado com a que tinha nome de uma Nossa Senhora – de cabelos lisos e negros, olhar meigo, voz suave e sorriso contagiante.

Pela primeira vez o coração do garoto batia de maneira diferente. Jurandir, o colega, cortejou e ficou fascinado com a amiga, a também linda menina. Enquanto o companheiro se dedicava à colega, um leve beijo trocado com a bela garota selava o namoro. Ela se tornara, então, a primeira namorada do menino que, outrora, havia beijado na boca apenas uma única vez, sem maiores emoções. Desta, porém, o beijo fora diferente, tinha um doce sabor, o sabor da felicidade, o gosto de quero mais. O entusiasmo tomara conta do adolescente, que há muito deixara de ser uma criança, tinha superado os quinze anos e rapidamente se aproximava da puberdade — tão rápido quanto os batimentos do seu apaixonado coração. E ele teve então a certeza de que a bela garota também sentira o mesmo, desde a primeira vez em que seus olhares se cruzaram numa tarde inesquecível.

Tudo era novidade, tudo era felicidade. O que importava realmente era estar junto dela e sua presença passara a representar a força que o estimulava a conservar ainda mais o seu respeito a tão doce criatura. Durante meses teve o coração aos pulos devido à intensa ansiedade ante a expectativa dos encontros.

A partir daquele momento emocionante, o agora enamorado tem a sua rotina de vida alterada. A atenção e o carinho proporcionado pela garota, as trocas de caricias meigas e ainda inocentes, ou quase, sem ser plenas ou ousadas, mas que insinuavam o que podia vir, atiçavam sua imaginação. As novas descobertas proporcionadas pelo fogo dos hormônios à flor da pele fizeram com que o rapaz se sentisse repleto de felicidade, modificando seu curso de vida, um divisor de águas.

A namoradinha tão exuberante — detentora de um rosto com traços suaves, adorável de olhar, de acariciar, de um ser bondoso em sua plenitude — enchia de orgulho o menino tímido que desejou que aqueles momentos se eternizassem. Havia um ar de cumplicidade. Havia uma nova motivação, um entusiasmo pela descoberta da paixão, com atitudes respeitosas e juvenis de, às tardes, poder enxergar o seu rosto luminoso. Eram sensações que o deixavam feliz pelo prazer que proporcionavam.

No fundo, tinha medo de se tornar inconveniente e se continha para não avançar na intimidade da namoradinha e quebrar o encanto que aqueles momentos proporcionavam. A situação perdurou até que, em um fatídico dia, a adorável rotina mudou inesperadamente. Ainda hoje ele não consegue entender com clareza o motivo, mas o rompimento foi inevitável. O seu coração não mais disparava pelo costumeiro e delicioso contato com a garota, mas sim pela aflição de estar assistindo ao fim de uma exuberante experiência pessoal que transformara, por completo, sua existência. Pela primeira vez conhecera uma tenra paixão e também o primeiro e derradeiro adeus. E isso foi o suficiente para que entendesse que sentimentos são imprevisíveis e que o amargor também acontece, mesmo com a confirmação da feliz interação que tivera com uma garota durante longos e inesquecíveis meses. Ali findava uma suave cumplicidade de sentimentos.

Naquela noite não conseguiu assistir a aula, muito menos conciliar o sono. Sempre que fechava os olhos a via nitidamente, por vezes com o lindo sorriso, noutras com os lábios cerrados, fazendo com que sentisse enorme amargura dilacerando seu coração agora solitário. Em seus pensamentos projetava que nunca mais a veria novamente.

Toda essa história, que traz uma lembrança afetiva sem igual, acabou tendo como fundo musical um grande sucesso do astro Roberto Carlos naquele ano de 1971, que perdura até hoje: a música Detalhes.

O tempo se encarregou de consertar a frustração. O menino cresceu, tornou-se adulto e outros relacionamentos surgiram e se foram também. Passados tantos anos — quase meio século — daqueles momentos felizes e inesquecíveis, é o ainda menino que pergunta: onde estaria aquela meiga e encantadora criatura — a sua primeira namorada?

Samuel De Leonardo (Tute)
Enviado por Samuel De Leonardo (Tute) em 12/05/2022
Reeditado em 12/05/2022
Código do texto: T7514788
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