O Náufrago

Foi em uma tarde de domingo, já há certo tempo, que encontrei, no final no Leme, junto à grande pedra que chega até o mar, um homem magérrimo, com o olhar veemente de um louco, e as barbas enormes se derramando até o peito. Tinha assim, a aparência de um náufrago recém aportado.

Tanto os seus gestos enfáticos, quanto suas palavras dirigidas a uma multidão inexistente reforçavam a suposição de que o homem ainda restabelecia-se de infortúnio anterior, enfatizando a suposição do naufrágio.

Por vezes o náufrago parecia tomado de estranho delírio. Em certo momento, encarando uma plateia inexistente, pronunciou seriamente:

— Se eu disser que os pratos voam, os deuses aquiescerão! E me encarou, seu único interlocutor real, para complementar com seriedade:

— Se me disser que não, pratos voarão!

Não pude evitar a lembrança de Lemuel Gulliver, personagem de Swift, que tendo naufragado e vivido por terras estranhas, parecia mesclar fatos e delírios em seus relatos.

O náufrago continuava narrando os mais surpreendentes acontecimentos, as mais variadas considerações, saltitando de um assunto a outro subitamente, como um passarinho a esgaravatar a grama. Disse:

— Ali naquela pedra, um homem parou para olhar o mar. E depois de pequena pausa completou:

— Mas o mar não parou para ser olhado. Foi mar pra tudo que é lado.

Então ele esboçou estranhas ontologias, pintou com palavras os quadros mais bizarros, descreveu festas e esbórnias, aflições e melancolias.

Enquanto eu ouvia o alucinado e refletia sobre seus ditos, não pude me esquivar à lembrança de uma frase de Shakespeare: "Essa loucura tem método"! E permaneci por toda a tarde, como se hipnotizado pelos contínuos disparates que ouvia.

* * *

Não sei se foi o acaso que me fez retornar ao mesmo local uma semana depois, e novamente na seguinte e também na outra, para ouvir os ditos do náufrago que se renovavam, e já não se dirigiam a plateia imaginária, mas encontravam ouvidos atentos, e muitos pares de olhos cravados em sua pessoa, admirados e reflexivos.

Foram precisos vários meses para eu me convencer que o louco não era ele. e nem mesmo quem houvera naufragado. Hoje sei que sua aparência de náufrago era uma espécie de chamariz, um atrativo para almas perdidas vagando à deriva em um mar deserto. Com suas palavras iluminava caminhos, apontava direções.

Não, não era um náufrago, hoje sei. O homem era um farol.