🔵 Os porões da 25 de Março 🔵

Zonas Norte, Sul, Leste, Oeste, Centro e outras cidades. Trabalhando como promotor de vendas em São Paulo, conheci pessoas, experimentei sabores e tive contato com idiossincrasias de cada bairro. No entanto, foi na região central que cheguei à pior situação que eu jamais havia arriscado conhecer. Se eu houvesse sonhado com essa asquerosa provação, acordaria aliviado, sem desejar tão triste realidade ao meu pior inimigo ou à mais ignóbil das criaturas que vagou pelo planeta Terra.

Pois bem (ou mal), visitei uma intransitável loja, na intransitável rua 25 de Março. Fiz os procedimentos, abasteci a mercadoria e saí da loja. A caminho de outra loja, me lembrei de cortar o número do CNPJ das caixas de papelão para comprovar o abastecimento e, assim, complementar o salário. Fácil, era só ir à rua detrás e localizar as caixas que eu esvaziara há pouco. Só que não foi tão fácil.

Tive que procurar as caixas desmontadas num lixão desconhecido por mim. Aquilo era o submundo do paraíso das compras populares que eu conhecia. De repente me vi à caça do que restou do meu trabalho de reposição da mercadoria. Mas aquele subproduto tinha algum valor e eu estava ali, entre ratos, baratas e o chorume fétido procurando o meu precioso lixo. Essa busca incessante e heroica me renderia umas indispensáveis moedas a mais.

Localizados os invólucros, seria moleza a captura. A minha sensação de propriedade esbarrou com a dura realidade da importância das caixas vazias para quem estava alheio ao “paraíso das compras” e das sacolas cheias. Eu, diluído no vai e vem de pessoas, sempre estive distante daquele universo quase paralelo.

Fui direto arrancando as caixas de papelão para destacar o CNPJ para arrecadar uns suados trocados a mais no quinto dia útil. O novo dono dos papelões descartados registrou a minha investida como tentativa de furto. Ou seja, naquele lugar e momento, eu significava o perigo. Com a disposição para brigas e discussões e a insensibilidade próprias da pouca idade, engatei um entusiasmado bate-boca por, aparentemente, um punhado de lixo.

A pendenga pelo monturo estava ganhando proporções inimagináveis e juntando um tipo de gangue. Deduzi que todos ali conhecessem o meu antagonista ou automaticamente o defendessem por simples corporativismo. A minha situação não era nada boa e a conta do hospital ou os gastos funerários seriam maiores que o epopeico abono.

Analisando com distanciamento a situação que me meti, calculei que estava indo longe demais e era o momento de recuar. Expliquei o meu lado, cortei o tal CNPJ e fugi dali.

Na falta de estudos e alguma ambição, eu poderia imaginar acabar nos porões da rua 25 de Março, disputando uma caixa de papelão, mas não brigar por isso, proporcionando um espetáculo digno da repreensão dos camelôs, lojistas, transeuntes e outros catadores da região.

Me arriscar nos “porões do navio”, proporcionaram um choque inesperado com a realidade. A partir desse dia, vi que existia uma outra realidade escondida das sacolas cheias e do “fantástico paraíso das compras”.

RRRafael
Enviado por RRRafael em 21/05/2022
Reeditado em 21/05/2022
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