O falecido

O falecido era divertido, muito bonzinho e obediente.

Viveu doze anos ao meu lado.

Quando eu pintava as unhas ele chegava de mansinho e ficava por perto como quem não quer nada. Então eu perguntava se ele queria que eu pintasse as unhas dele também, eu sentia que ele ficava feliz quando tinha esses acontecimentos, então eu pintava as minhas unhas e as dele. E ele não se importava em sair por aí com as unhas cor de rosa.

O falecido era um bom amigo, eu gostaria de poder ter cuidado melhor dele ao longo da vida, sobre tudo na velhice.

Quando ele adoeceu já não podia andar mais sozinho porque se perdia, ainda que a trajetória fosse curta. Ele poderia ir da porta da sala ao portão que se perdia no percurso e eu precisava ir buscá-lo. Já não caminhava direito e tudo que digeria ele vomitava.

Então eu o obrigava a tomar chá de boldo. O pobrezinho fazia careta mais nunca reclamou e sempre tomou tudo.

Ele gostava muito de mim e eu gostava muito dele.

Era um amor!

Quando ele chegou a minha vida eu tinha apenas doze anos. E quando partiu eu tinha 24.

Eu o vi partir infelizmente ele estava preso nos últimos minutos. (Meu pai fazia obra no quintal com um vizinho).

Eu corri até ele, retirei o guincho da corrente. Ele olhou em meus olhos. E seus olhos apagavam e acendiam. Eu disse que estava com ele. Então a vida deixou seus olhos e eles ficaram como bolas de gudes opacas. E eu nunca mais esqueci esse momento. Ele me faz falta até hoje.

Sempre disse que se houver um céu de cachorros ele estará lá. Correndo atrás de borboletas como gostava de fazer.

Hip,

M. 2015.

flor de inverno
Enviado por flor de inverno em 21/05/2022
Reeditado em 21/05/2022
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