Da varanda vejo meninos apressados subindo a ladeira que dá acesso a praça central. Os nascidos depois de 2005 tem hormônios digitais impressos em 3 dimensões: são intensos e elétricos. Como os sentimentos de Alice que assisto de longe, enquanto disfarço o mar que meus olhos inventam pra dar vazão ao nó na garganta, tecido pela emoção. Todos os dias ao se arrumar para a escola, ela vê seu quadro preferido na praça, sem ao menos fazer parte da imagem. Sua avó Adília sorri com alma, à medida que entrelaça os seus cabelos. As tranças só não são mais perfeitas do que as da Tia Sandra e suas mãos de fada, ao enrolar rosquinhas de nata. 

No chão, o manto seco da folhagem avisa que é outono. O equinócio do equilíbrio, em que a mesma quantidade de luz e sol entram nos dois hemisférios, não é capaz de sufocar a tristeza da solidão de quem nasceu para o mundo e finou-se para a mãe. Decerto os passos que lhe faltam, presos à quinquilharia metálica de rodas, tem uma sombra. Suas limitações a tornaram um estorvo, se não fosse por Adília. Ah, Adília: sua avó-mãe, que já morreu umas quatro vezes de dor no coração, sem perder as batidas. Direito ela não tem de rejeitar o maior amor de sua vida.

Felicidade pra ela é ser escolhida para cuidar de Alice. -Deus foi comigo generoso! - Disse ela ao referir-se à partida, por escolha, de sua filha. -Alice foi gerada em meu coração!- Arrematou.

Com os olhos embebidos de dor, veste a netinha com o seu casaco e fechando a janela, acena para mim, que a observo suspirando. Solidão tem traços finos, poucos veem, mas é preciso cuidado para não se sufocar com tudo que se finge não sentir...

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 31/05/2022
Reeditado em 31/05/2022
Código do texto: T7527733
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