E se fosse comigo?
Ontem fui visitar uma velha amiga hospitalizada no Moinhos de Vento.
Colocaram-me uma roupa de astronauta, sapatos especiais, máscara, luvas e óculos. Quando me aproximei dela fiquei assustado com a quantidade de fios e máquinas, que a mantinham viva.
Ela não me reconheceu, mas agarrou minha mão com força e sussurrou algo que tive que colar meu ouvido na sua boca, para entender.
“Por favor, alivia o meu sofrimento”.
Fiquei surpreso com aquele pedido, pois sabia do amor dela pela vida.
No corredor cruzei com uma das irmãs dela e trocamos algumas palavras.
“Ela quer fazer a eutanásia, mas isso está fora de cogitação”.
Perguntei qual a previsão do óbito e se ela estava sofrendo.
“Não está sofrendo e não se sabe até quando vai durar”.
Voltei pra casa com aquele diálogo na cabeça e algumas questões básicas a responder.
Até que ponto não somos mais donos da própria vida?
Até que ponto a evolução da Medicina tem o direito de prolongar a vida que sabemos que não tem mais condições de existir?
Durante toda a nossa existência somos responsáveis por nossas decisões, mas na hora que mais precisamos decidir, alguém nos tolhe a vontade. São pessoas saudáveis, que ficam no quarto de hospital apenas por alguns minutos e depois partem para a vida normal satisfeitas pelo doente ficar lá “muito bem atendido” e que depois do óbito agradecem pelo “descanso” merecido daquele ente querido que estava “sofrendo muito”.
Existe muita hipocrisia em ignorar o desejo da eutanásia. As questões éticas, morais, religiosas e legais, ignoram o direito fundamental do desejo do paciente, para aliviar as consciências da família, respaldar os médicos e contentar a sociedade. Assim, entregam ao destino ou nas mãos divinas a finalização do processo, sem mea culpa, é claro.
Mas... e se fosse comigo? - pensei.
Me transportei para uma cama de hospital, sem chance nenhuma de voltar a pedalar minha bicicleta no Parque da Redenção, de ler meu Kafka preferido na orla do Guaíba sob o sol do outono e sentir a brisa do vento no rosto, ouvindo o barulho da correnteza do rio-lago. Também pensei naquele gostoso café colonial do Walachai em Morro Reuter e depois curtir a rede do jardim olhando as belezas da Serra Gaúcha. Mas, o pior de tudo seria não poder mais afagar a cabeça do Joaquim, meu pastor alemão e sentir aquela lambida gelada no rosto.
E se fosse comigo e ainda houvesse um fiapo de esperança? Como seria?