A atriz

Ela era assim. Marina tinha mania de atriz. Isso era só um detalhe em sua vida. Não fosse as mentiras que ela criava. E os papéis que inventava para a vida real. Afinal, o trabalho do ator é mentir convincentemente. E isso ela fazia muito bem. Se tornou uma mania. Uma obsessão. Conhecia outras meninas no playground ao lado de casa e inventava nomes diferentes para si mesma. Inventava outras famílias. Mudava até mesmo a idade. Se portava como uma pessoa da idade que dizia ter. Uma vez fingiu para a família ter perdido a memória. A história durou 4 meses e só não se prolongou por mais tempo porque se cansou do papel. Começou a criar disfarces. E fazia com tanta perfeição que nunca a descobriam. Ai de quem a descobrisse. Isso para ela, não podia acontecer. Conseguia convencer até mesmo o diabo de que ele sim, ele era o bonzinho da história. Ser descoberta não. Nunca.

A mania chegou ao seu ápice quando ingressou na faculdade. Artes Cênicas. Resolveu criar um papel de moça perdidamente apaixonada. Na terceira semana, entrou na sala e se declarou para o colega.

-Arthur! Eu te amo loucamente! Nunca me senti assim durante toda a minha vida. Você é tudo pra mim! Foi amor a primeira vista!

E o beijou como nunca tinha beijado ninguém antes. Tinha criado o disfarce da sua vida. O de namorada, e futuramente, esposa dedicada somente ao marido. Tinha que manter o disfarçe, afinal, ser descoberta não. Nunca.

Transaram no primeiro mês de namoro. Tinha que levar o papel até o final. Mostrou ser a pessoa mais apaixonada e dedicada de todo o mundo. A mais servil. A mais amante. A mais esposa de todas. Largou a faculdade. Iria se dedicar somente ao parceiro. Tinha de desempenhar bem o papel. Não poderia falhar. Ser descoberta? De jeito nenhum.

Logo que Arthur se formou, os dois se casaram. Viviam uma vida plena. Tiveram filhos. Ele era extremamente feliz com ela. Nunca conhecera melhor mulher em todo o mundo. O que posso dizer? Viviam bem. Ficaram velhos. Os filhos cresceram. Se casaram. Foi a melhor sogra do mundo. Morreu antes dele. Casada ainda. Nunca o amou, nem um pouquinho que seja, mas manteve o papel até o fim. No seus sonhos, tinha sido a melhor atriz do mundo. Desempenhou o papel até o fim. E quando morreu, tinha a certeza. Não seria descoberta nunca. Ser descoberta? Só por cima do próprio cadáver.

No velório só se ouvia o choro. O marido estava inconsolável. Os filhos mais ainda. Todos falavam sobre como tinha sido boa esposa, boa mãe, boa mulher. Que vida! Que ser humano ela era! No enterro todos choraram. Fazia sol. Na sua lápide, a família escreveu o epitáfio.

"Aqui jaz Marina. Nasceu atriz, mas abandonou seu sonho para ser a melhor mãe, esposa e mulher do mundo".

Lá do além Marina resmungava. "Desgraçados! Mãe o cacete! Eu sou atriz!". E Deus a acalmava. "Calma Marina. Nós sabemos que você foi uma boa atriz. Juro por mim mesmo que sempre te achei uma excelente atriz". E ela resmungava, cada vez mais.