Quanto dura um sonho?

Às 7:43 da manhã eu já estava de pé. Esse não era o plano, eu deveria dormir o máximo que pudesse. Faltou combinar com a ansiedade. O dia era 23 de novembro de 2019. O projeto de dormir bem e acordar descansado foi substituído pelo nervosismo de alguém que esperou décadas por aquele dia. Não foram poucas as vezes que me peguei chorando e imaginando o roteiro perfeito. Aaaaah, se eu soubesse...

As horas se passavam devagar, os minutos pareciam uma eternidade. Era precisa pensar em cada detalhe, em cada mínima superstição. A camisa da sorte, a cueca vermelha, a mesma mesa, o mesmo bar, os mesmos amigos, tudo precisava está impecável. Eu jamais me perdoaria em ser culpado por uma derrota, afinal, foram mais de 20 anos de espera. E não venha me dizer que eu não tinha responsabilidade sobre tudo aquilo. A fé não precisava ser explicada, nem indagada, ela simplesmente é. E ninguém melhor que eu pode dizer isso, afinal, eu sou ateu. Quer dizer, eu sou Flamengo!

Às 17:00 a bola rolou! O coração palpitou. Em tantos anos como torcedor eu vira São Paulo, Santos, Corinthians, Palmeiras, São Caetano, Athletico Paranaense, Cruzeiro, Atlético Mineiro, Grêmio, Internacional, Vasco e Fluminense (ufa!) chegarem em finais de Libertadores. Faltava o meu momento e ele estava diante dos meus olhos. Enfim, eu poderia sentir a tensão e o nervosismo do jogo mais importante da minha vida.

O Flamengo parecia sentir o mesmo. O time brilhante que encantou o Brasil e a América nos meses anteriores parecia desconfortável naquele ambiente praticamente novo, afinal, foram 38 anos de ausência. Muitas gerações que não viram o topo e que sentiam esse vazio. Um vazio que aumentou aos 13 minutos de jogo. Gol do River Plate!

Muita coisa veio à cabeça. Impossível não pensar nos fracassos do passado. Derrota pro América do México em 2008, San Lorenzo em 2017, León em 2014. Cada um dos fantasmas recentes fez questão de gritar e ecoar na alma de cada flamenguista. Doeu e o time acusou o golpe. Primeiro tempo morno e sem criatividade. Mais uma vez a fé aparecia. A fé de uma mudança de postura pro segundo tempo. A fé que a virada era possível. E era!

A bola volta a rolar no segundo tempo. O time melhora e volta a dar esperanças. É o momento de lembrar das glórias impossíveis e o Flamengo tem um leque delas. Me vem à cabeça um número: 43. O mesmo minuto do gol de Rondinelli em 1978 (eu não tinha nascido ainda, mas qualquer flamenguista que se preze conhece de cor essa história), o mesmo do golaço de falta do tri em 2001 (esse eu vi e comemorei muito), da camisa do Pet em 2009, do gol do Elias em 2013. No fundo eu sabia, o 43 não ia falhar, ele apareceria mais uma vez.

O jogo se arrasta pro fim. Mesmo com boas chances o placar se mantém o mesmo. Os olhos querem lacrimejar, mas a fé continua firme. “O minuto 43 tá chegando” eu pensei. E como essas coisas que só o torcedor mais fanático pode entender eu bati na mesa e disse: vai sair o empate agora. Nesse momento, o Diego pressionou, Arrascaeta rouba a bola, entregou pro Bruno Henrique e se enfiou entre os zagueiros. Bruno Henrique teve a frieza de um cirurgião e a paz de espírito de um monge budista. Segurou a bola, voltou, partiu pro meio e encontrou o Arrasca de volta. Arrasca tocou pro meio da área e...

Quando o Gabigol chegou ao Flamengo meu pensamento foi: ou vira decepção ou ídolo, meio termo jamais. Dito e feito. Naquele dia, ele fazia uma das piores partidas dele com a camisa do Mengão. Apareceu pouco, errou tomadas de decisão e parecia perdido entre os zagueiros do River. Faltavam poucos minutos para que o Gabi saísse de uma das mais decepcionantes atuações da sua carreira. Mas, sabe como é ne? Os deuses do futebol sempre preparam ótimos roteiros pro final. Gol do Flamengo, Gabi empata!

Foi o gol que eu mais comemorei na vida! O maior êxtase que eu já senti. Alívio, euforia, loucura, Flamengo! Ali eu senti valer a pena cada lágrima de cada partida que eu assisti na vida. Cada segundo que eu pensei em futebol valeu a pena. Estávamos vivos, era preciso respirar. Mas não foi o que aconteceu.

Foram três minutos de correria, gritos, batidas no peito, beijos no escudo e o que mais deu pra fazer depois de derrubar uma garrafa de cerveja e correr com um vidro de aproximadamente 3 centímetros enfiado no pé. Foi então que eu sentei pra assistir aos minutos finais. Foi aí que aconteceu. Bola de Diego Ribas, o zagueiro do River que havia feito uma partida quase que irretocável cortou mal a bola. Entre tantos lugares, aquela bola caiu na perna esquerda do Gabriel. Aaaaaaaaaaaaaaaah...

38 anos de fila, 88 minutos atrás do placar, uma final contra um gigante, coração saltando do peito. Nesse momento, Gabi parecia um veterano de quase 40 anos. Gélido, indiferente ao contexto, ele olha pro goleiro, olha pra bola e escolhe o canto. Gol do Flamengo.

Foram décadas idealizando como seria. Sonhando com roteiros hollywoodianos. Mas os deuses do futebol capricharam e me deram o dia mais feliz da minha vida. Se o primeiro gol foi o que eu mais comemorei na vida, o segundo foi o que eu menos comemorei. A tentativa de correr em euforia foi totalmente paralisada pelas lágrimas.

Quanto dura um sonho? 38 anos ou 3 minutos? Pra mim durará para sempre, afinal, eu conquistei a Glória Eterna!

Lynik de Pádua
Enviado por Lynik de Pádua em 10/06/2022
Código do texto: T7534940
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.