O MISTÉRIO DE SANTO ANTÔNIO

 

'Trocentos anos atrás, quando eu ainda acreditava que existia um 'dia dos namorados' - como também 'da mãe', 'dos pais', 'da vaca', 'do índio' ou 'do avô' -, convivi durante um tempo com um personagem que se encarregou de me fazer odiar este tal 12 de junho. Porque teve a ideia genial de terminar o suposto 'namoro' justo neste dia. 

 

Quando o conheci não suspeitei que carregava um trauma psicológico do suposto divórcio que vivenciara anos antes - e que, em verdade, nunca foi um 'divórcio'. Pois este só é fato quando o espírito, o coração e o corpo se divorciam, em bloco, deixando o passado no passado, e a disposição para se inaugurar um novo presente, aqui e agora, saudável e inédito, como cada nascer do sol. E nenhum papel assinado e sacramentado tem este poder, quando o espírito de um dos envolvidos não participou, de boa vontade, do divórcio. Antes, foi lançado nele na marra, contra a vontade, e amaldiçoando Deus e todo o resto do mundo.

 

Assim como nenhum dia nem papel assinado unem de fato ninguém 'até que a morte os separe', se, de repente um der a relação por finda, e ainda que se apele a Deus, a todos os santos, espíritos, anjos, ou ao cramulhão, como lá diz em Pantanal o Trindade...

 

Isso devido ao tal negócio chamado livre arbítrio que com frequência ninguém leva a sério como se deveria, em mais de um momento importante.

 

Pois descobri da pior forma que este fora o caso daquele suposto 'namorado', quando, sem ao menos lembrar que era o tal dia 12, capitulou. Assumiu, como era inevitável, a obsessão mórbida pela ex que, e por sua vez, até onde sabia não lhe sentia mais a mínima passados os anos.

 

E assim ele deu fim, da maneira mais grosseira possível, ao suposto "namoro".

 

Foi desta forma exótica, por assim dizer, que, ainda muito jovem, aprendi que o pretenso 'dia dos namorados' não passava de falácia comercial, como tantas outras datas semelhantes.

 

Compreendi que, antes, tratava-se de campo minado altamente caprichoso, ao sabor da prosperidade maior ou menor, embora inteiramente aleatória, das ilusões e dos sonhos dos atores envolvidos.

 

Na época, dentro dessa relativa pouca idade e menor grau de experiência, ou por outra, de despertamento espiritual, ato consecutivo, escomunguei para todo o sempre o tal dia 12. E, enraivecida, ainda dispus da primeira imagem de Santo Antônio que me caiu em mãos e o emborquei dentro de um copo cheio d'água - supostamente também para todo o sempre.

 

Mal saberia o santo que eu entenderia o mistério e o modo como, passados tantos anos, certas experiências avessas cumprem sua função de ensinamento, oferecendo-nos um estado de despertamento lúcido que nos devolve a alegria.

 

Porque são dessas e de outras rebordosas que nos vem a visão clara do que é essência e autenticidade em todos os contextos da vida.

 

E entendemos que não existe um 'dia dos namorados', na formatação que se pretende - com a devida vênia dos românticos inveterados - porque, para este existir de fato, só se fosse num contexto de 'todo dia'!

 

Não se trata de 'negacionismo', amigos, a palavrinha que anda muito na moda.

 

Trata-se de constatação - e,  obviamente, de escolha. Escolha por viver uma vida real e livre das inevitáveis frustrações de uma vida fictícia.

 

Trata-se, nem mais nem menos, de se homenagear com amor a mãe, ou o pai, ou a avó, em todos os dias do ano, ou pelo menos num máximo de dias, e não só nos respectivos dias de se dar presentes à mãe, ao pai ou à avó...

 

Trata-se de honrar os ensinamentos de Jesus, ao menos tentando se viver o melhor possível dentro de um princípio de unificação no amor divino com o seu próximo - jamais apenas no suposto dia de seu nascimento, deixando de fazê-lo no decorrer de todos os outros 364...

 

Trata-se de homenagear a condição de irmãos, e o meio ambiente, e a fauna e a flora, e a tudo aquilo para que se convencionou criar um 'dia de', com tanta espontaneidade diária que estes personagens ou condições não necessitassem mais de um único dia no ano para serem honrados ou presenteados. 

 

E assim com os tais 'namorados'.

 

A melhor essência da vida ensina: até um(a) amigo(a) - adeque-se a cada caso - pode ser o(a) melhor namorado(a) do universo. Desde que, em princípio, e antes, muito antes de propor se saltar para cima da cama como um tigre esfaimado sobre a intimidade do outro, se mostre, na prática, durante a sequência rápida ou lenta e lerda dos infinitos segundos do dia a dia, que se é um(a) verdadeiro(a) amigo(a)!

 

Alguém que verdadeiramente nos admire e respeite. Que nos apoie e compreenda sedimentando,  aí sim, pacientemente sobre esses pilares e ao longo do tempo uma relação qualificada, da qual a química sexual pode até ser uma natural e deleitosa consequência.

 

❤💜💙

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 12/06/2022
Reeditado em 12/06/2022
Código do texto: T7536426
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