Bailado da vida

BAILADO DA VIDA

(sessenta anos de casados. Oh, Céus!)

Abre-se a cortina e o distinto na platéia, com os olhos esgazeados, assiste a desempenho da bailarina querida.

Levanto os braços e vou vencendo os espaços da coxia ao proscênio. Cumprimento a assistência com elegante reverência e aguardo os compassos de O Lago dos Cisnes. Com leveza e muito garbo vou girando em piruetas, fugindo das falsetas deste mundo. Em “battements” ligeiros, num piscar e num segundo, vou chutando os corriqueiros males do dia-a-dia.

– Sorria, bailarina, sorria, que o riso os males espanta e o teu sorriso encanta, vence o sol ou noite fria,

Num “plier” cadenciado, dentro do balé real, formado por cisnes brancos dançando à minha volta, sem ciúme e sem revolta, esperando o meu final.

Venci, num “pás de chat” ligeiro, seguindo meu companheiro e de filhos e netos um cabedal. Um aberto “espagate”, bem reto no duro chão, a cabeça eu ergo, ereta, impondo na dança a moda e antes do final, a coda, levanto-me com emoção e busco do marido o abraço.

Aliso-lhe a face, a barba branca. O pranto nos meus olhos se tranca, ao perceber-lhe o traço malicioso do olhar, feito de brasa e “feu”. Ouço-lhe, num sorriso amoroso, perguntar

– Que tal dançarmos, agora, um fogoso “pás de deux”?

Christina Cabral
Enviado por Christina Cabral em 26/11/2007
Código do texto: T753873