As três pastas e o PDF

O ano era 2010, quando tive a inscrição indeferida para o concurso público de uma importante universidade estadual da Bahia. Logo a amada faculdade, em que me formei em Letras Vernáculas no ano de 2007. O motivo da recusa foi justamente a não emissão do diploma até aquele momento (obrigatório, conforme o edital) pela própria instituição.

Dissabor semelhante tive em 2006, quando fui aprovado em primeiro lugar para o concurso público do Estado de Minas Gerais e não pude tomar posse. Isso porque a universidade não concordou em acelerar a conclusão do curso de Letras, a exemplo de outras IES, que, agindo legalmente, permitiram aos seus egressos ingressarem pela porta da frente no campo profissional (naquele concurso mineiro de 2005), ao mesmo tempo em que reforçavam a qualidade do ensino por elas oferecido. Recursos administrativos e apoio institucional negados em ambos os casos neste interstício quinquenal, declinei de discussão jurídica, por falta de recursos e imaturidade.

Precariamente efetivado em Minas pela famigerada Lei nº 100 de 2007, após a graduação, nesse mesmo ano, vieram diversos outros concursos e seleções, com outros primeiros lugares, até que alcei a Rede Federal. Nessa trajetória, ironicamente vim a lecionar, entre 2011 e 2013, como professor substituto na universidade de cujo concurso público não pude participar em 2010. E foi uma experiência marcante para o meu crescimento profissional!

Mas uma das mais importantes lições — em termos de organização pessoal — aprendi no momento da entrega da documentação para aquele infértil concurso de 2010. Embora alijado do certame, foi naquela fila de inscrições que vi e elogiei uma candidata com sua pasta fichário, que continha os diplomas, certificados, declarações etc. da sua área de atuação. Em meio à rápida conversa informal, pergunto:

— Está tudo aí mesmo?

— Sim, na ordem do Lattes! Respondeu satisfeita a professora.

Eu também levava os meus comprovantes e as cópias encadernadas para conferência e autenticação pela fé pública do servidor que nos atendia. E depois, peguei de volta, já que as cópias seriam eliminadas. Tudo bem! Remoídas e superadas as frustrações, o que não dava para aceitar a partir de então, era levar os originais em um envelope pardo reaproveitado para enfrentar outras seleções. E foi aí que comprei a primeira pasta fichário para inserir todos os documentos originais na mesma sequência do Currículo Lattes, igualzinho ao da candidata, que seguiu no concurso.

Doze anos depois, já no terceiro volume, as pastas carregam o peso e a leveza de uma vida acadêmica e profissional. Suor, resiliência, erros, acertos, orgulho, avidez e todos os frutos de uma escolha profissional tão desafiadora e apaixonante: a Docência. A coleção que ornamenta a estante também me lembra de pessoas, professores e alunos, colegas e amigos, laços e afetos, dos quais é impossível falar em um simples texto!

Pois bem, outro dia, quando carregava sorridente as pastas 01, 02 e 03 com todas as comprovações do Lattes pelo campus, comentei com um colega sobre a organização que outrora eu aprendera, ao que o professor perguntou:

— Você imprime os comprovantes? Pra quê?

Respondendo que gosto de manter as duas versões (impressas e em PDF), refleti e caí na real. Agora, em meio à Era Digital, que opõe os bits aos átomos, favorecendo os primeiros, praticamente todos os comprovantes nos chegam pelo e-mail ou WhatsApp, não é mesmo? Tendo iniciado o acervo em 2010, com a cansativa, mas para mim, prazerosa tarefa de digitalizar todos os documentos físicos recebidos, para posterior conversão em PDF, quando os programas ainda não dispunham de tantos recursos de edição, agora, o processo se inverte. Está tudo no endereço eletrônico, no aplicativo ou em alguma plataforma. Com tinta, papel e todo o resto caros, além do fator sustentabilidade, perdoe-me, Gutemberg, mas imprimir será exceção. E assim, os documentos digitais vão nos introduzindo cada vez mais nesse campo, que envolve sentidos, terminologias, práticas e legitimação institucional: criptografia, assinatura digital, autenticação eletrônica...

Provavelmente, o conjunto de pastas fichário não contará com o volume 4. Permanecerá com suas dezenas de originais da época em que o físico-impresso reinava, especialmente antes da pandemia da Covid-19. Obrigado, professora, pela inspiração! Quanta fé, força e esperança as três pastas representam! São testemunhas de uma história! Quantos caminhos trilhados? Quanta gente me estendeu a mão, ajudando-me a compor esse acervo? Muitas vezes caminhei por árduas estradas porque muitos precisaram de mim e foram a razão para eu completar aquelas pastas. E agora, a recompensa se manifesta e se multiplica quando carrego e afago meus filhos no colo!

Nessa transição, característica dos Sistemas Adaptativos Complexos, a descontinuidade de uma prática, outrora considerada tão importante, atesta a liquidez da pós-modernidade e nos lembra de que somos seres inconclusos e fiadores de um permanente processo educativo, num mundo em constante transformação. Ao atualizar o Currículo Lattes nesse ano de 2022, desta vez desapegado da impressão, vejo que as atuais cinco centenas e algumas dezenas de comprovantes extrapolam a prova documental. As três pastas e seu conteúdo simbolizam o valor do exemplo, impõem-se como ornamento e representam a inspiração em nosso cantinho de estudos e pesquisas. As três pastas (e a partir de agora, somente o arquivo em PDF), comprovam principalmente a coragem e a determinação com as quais me calcei e me vesti para trilhar a estrada que conduz aos meus objetivos acadêmico-profissionais, que não se opõe às outras esferas da vida. Havendo amor, consciência e dedicação pelo que se faz, haverá Lattes na vida e vida no Lattes. Tenhamos todos nossas pastas (físicas ou virtuais) com os arquivos (impressos ou digitais), mas sobretudo, tenhamos fé e bravura para conquistar nossos objetivos!

Renato Pereira Aurélio
Enviado por Renato Pereira Aurélio em 17/06/2022
Reeditado em 28/06/2022
Código do texto: T7539311
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