AS CAÇADAS DE MEU PAI

Vez por outra, nas madrugadas de domingo, meu pai carregava a espingarda bate-bucha com chumbo, colocava o bornal a tiracolo e, juntamente com alguns vizinhos, ia caçar rolinhas, as conhecidas arribaçans ou "avoetes" como as chamávamos, nos pombais da região. Naquela época esse tipo de caça ainda não era proibido, então muitos pais de família participavam dessa atividade com o objetivo de levar mais alimentos para a família, complementando o almoço do fim de semana.

Nas proximidades do ocaso ele voltava com o bornal cheio, e bastava abri-lo para sentirmos o forte cheirinho de penas, e tal aroma, na minha ótica, tinha aquele odor de algodão molhado da chuva. Que eu achava estranhamente interessante, aliás como também era algo diferente e penoso, na ingênua imaginação de criança, arrancar as penas das pobres avezinhas e colocá-las "nuas" na panela com água quente. Apesar de tudo, dessa atividade todos em casa participavamos, e como inocentes descobrindo novos horizontes queríamos estar presentes nesse emocionante momento familiar, além de sempre ser novidade para mim e meus irmãos a vinda de meu pai da caçada bem sucedida.

Mamãe torrava de uma única vez todas as "avoetes" no óleo quente de caroço de algodão, o para nós conhecido "Óleo Tibiriçá" fabricado por um industrial ricaço da nossa cidade. E fazia uma farofa exuberante, comida com gosto e avidez pela família. No entanto nem sempre tínhamos tamanha regalia, pois aos poucos o número de caçadores foi se multiplicando ao longo do tempo, forçando a debandada das avoantes para pombais mais distantes e de difícil acesso. Como as aves faziam seus ninhos nas árvores das grandes fazendas, alguns proprietários começaram a proibir que caçassem em seus pombais, o que também resultou na gradual escassez das "avoetes' no cardápio de quase todos.

Quando passei a integrar o movimento escoteiro, entidade muito respeitada e admirada pelos cidadãos, ganhei a visão do equilíbrio ecológico e da importância de cada ser na natureza, tornando-me criterioso e ferrenho defensor da vida em todas as suas manifestações. Meu olhar de criança curiosa, que via as "avoetes" como alimento, transformou-se na visão de um jovem consciente em favor do direito de viver e ser parte do todo na existência terrena de qualquer criatura.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 20/06/2022
Código do texto: T7541562
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