Minhas cataratas

Poderiam ser as cataratas do Niágara (que só sei onde ficam) ou as não menos belas, de Iguaçu (impregnadas em minha mente). Com certeza seriam histórias boas, não só para a vista, mas o corpo inteiro, salpicado pelos seus pingos. Aqui a vista é outra, a que vê ou deixa de ver com o passar da idade. As “duas contas pequeninas” aos poucos vão se apagando. Destino dos que envelhecem.

A minha vez chegaria, claro. Não só a minha. Só no mês de maio passado, dois cronistas, que leio e admiro, Ruy Castro na Folha de São Paulo e Cora Rónai, em O Globo, escreveram sobre esse tema, contando suas peripécias cirúrgicas e pós. Primeiro foi Castro, dando o seu adeus ao cristalino embaçado, trocando por lentes novinhas em folha. Dias depois Rónai também falou da sua despedida.

Na de Cora, que sofreu com dores, aparece um gato na história que quase a obriga a descumprir a ordem do médico de não abaixar a cabeça. Já Ruy desobedece a ordem da doutora, de manter distância do computador, e produz mais uma de suas imperdíveis crônicas. E ainda avança nos palpites de amigos sobre o que ele podia ou não fazer, apoiado no registro do CRM que cada um de nós ostenta. E a lista era grande...

Como a minha vez estava por chegar, fiquei a pensar sobre o que me esperava. Tinha uma experiência anterior, de anos atrás, quando minha sogra passou por esse ato cirúrgico e, por uma semana, carregou um tampão no olho operado, somente retirado pelo próprio médico. Mais recentemente minha esposa também passou pela cirurgia e o curativo só foi retirado no dia seguinte, pelo cirurgião. No meu procedimento, uma hora depois de chegar em casa eu mesmo deveria me livrar do esparadrapo e, a partir daí, levar uma vida quase igual à de antes da cirurgia.

Digo quase, porque havia algumas proibições. Na conversa inicial com o médico ele já foi assegurando que academia, natação, corrida, andar de bicicleta, tudo isso estava descartado pelo período de 30 dias. Mas a lista mesmo, tintin por tintin, com todas as proibições devidamente escritas, só tive acesso após a cirurgia.

Fui checar com a relação dos “médicos” de Ruy e vi que muitas estavam lá presentes. Até uma que eu nem imaginava que aparecesse em receituário médico, só nas conversas de beira de cozinha, as tais “comidas carregadas”, estava anotada.

Mas tem uma proibição que achei esquisita e que só consta na lista do meu médico, e não na de Ruy Castro. Não sei se os “médicos” que o assistiram por saberem da sua idade acharam que nem precisava tocar no assunto, ou ele, por algum pudor, evitou o tema. O fato é que estava lá: por um período de 15 dias eu deveria me abster de “certas coisas”. Problema? Claro que não! Depois dos 70 “certas coisas” não são tão essenciais assim.

Enquanto isso vou testando os audiobooks, até ser vencido pelo sono, por pensar que, segundo um irmão, tudo não passa de uma estória da carochinha adequada aos cochilos. Meu objetivo? Logo estar cantando como Zé Ramalho “tô vendo tudo, tô vendo tudo, mas bico calado faz de conta que sou mudo”.

Sim, e caso tenha ficado curioso sobre a tal proibição, envelheça para operar de catarata. E uma boa cirurgia!

Fleal
Enviado por Fleal em 21/06/2022
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