Lembranças (Oitava maravilha do mundo)

Em São Martinho, a partir das 18 horas (na década de 60), ecoava nos ares a canção Amores Clandestinos.

Eu era menina, havia chegado um parque no lugar com seus aviõezinhos, barquinhas que eram içadas às alturas pelos braços puxando cordas, latas de óleo vazias, que seriam derrubadas por bolas de meias, maços de cigarros laçados por argolas que voavam de mãos certeiras.

Era um parque pobre, mas para mim era a oitava maravilha do mundo.

Dezoito horas, no alto falante do parque soava "Amores Clandestinos " e meu coração de sete anos disparava, pois aquele era o sinal de que o maior parque do universo estava abrindo as atividades do dia, ou melhor, da noite.

A música ecoava aos ventos e eu, de cabelinhos molhados, vestia meu vestidinho bordado à máquina, calçava meus sapatinhos brancos e ia rapidamente sonhar, enquanto olhava os aviõezinhos girando e as barquinhas subindo em disputas de quem iria mais alto. Quando dava o tempo, o homem do parque erguia a tábua/freio, com borracha de pneu, até parar a canoinha. Os "barqueiros" desciam com as mãos ardendo de tanto puxar a corda, prenunciando bolhas e suor escorrendo em gotas nos rostos.

Andávamos na poeira vermelha para lá e para cá, o trocadinho presenteado pela mãe dava direito a uma pipoca, ou a um algodão-doce.

Ao chegar o horário de encerramento das atividades do parque, novamente "Amores Clandestinos" era o sinal. Era prefixo e sufixo do meu sonho encantado.

A terra pisada nas andanças daquele paraíso subia invisível e os sapatos brancos voltavam mostrando um revestimento avermelhado.

A mãe providenciava outro banho, alertando que eu não molhasse os cabelos antes de dormir, para não ficar doente.

E eu dormia sonhando com os "Amores Clandestinos" do dia seguinte... embora não soubesse que a linda canção era trilha sonora de um filme maravilhoso.

Hoje a ouço e sinto saudades dos meus sonhos de criança, aqueles sonhos embalados por sapatos brancos, vestido de bordado aberto e algodão-doce.

As barquinhas subiram tanto, que nunca mais apareceram e os aviõezinhos voaram para outros espaços.

Ficou a canção nas minhas lembranças e a certeza de que eu conheci a oitava maravilha do mundo.

Dalva Molina Mansano

03.07.22

Dalva Molina Mansano
Enviado por Dalva Molina Mansano em 03/07/2022
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