A Sutil Arte de Não Fazer Nada

Por que diabos a sociedade encasquetou que temos sempre que estar fazendo alguma coisa? Tem que estudar, passar no vestibular, trabalhar, empreender, blá, blá, blá... Mas ninguém valoriza a sutil arte de fazer nada, mais importante que a (nada) sutil arte de ligar o foda-se. Essa arte tão subestimada de pintar o dia com o ócio. Mais desvalorizada que o real no ano desta crônica.

De tão acostumados com os corres diários, achamos deveras estranho o silêncio e o corpo inerte. Quem vê corre não vê coração. Mas é nessa pausa sagrada que a alma encontra o corpo. Quando a gente finalmente dá um tempo nas infindáveis obrigações que nos impõem ou que, absurdamente, impomos a nós mesmos.

Não à toa é tão benéfica a meditação, vista muitas vezes com escárnio pela sociedade imediatista. Estudos apontam os seguintes benefícios: diminuição dos sintomas da depressão, redução da ansiedade, melhoria da memória e do foco, aumento na autoestima, dentre outros. Tudo isso porque naquele momento estamos voltando aos eixos, finalmente adentrando na pacífica órbita primordial. Contemplar o ócio é ajustar os ponteiros do nosso relógio biológico, aquele que conhece o tempo real, que é aquele regido pelo tique-taque do coração.

A globalização trouxe consigo o mal do século, o imediatismo. Aquela vontade incessante de querer tudo ao mesmo tempo o mais rápido possível. É uma doença terrível e contagiosa saída direto das narinas do capitalismo. Ora, essa máquina de carne não foi feita para tamanha velocidade, rapidamente somos atropelados por toda sorte de fadiga física e psicológica. A psicologia comprova a importância do ócio e afirma que ele é essencial, pois tem o papel de ajudar na reposição física e mental e recomenda se afastar das redes sociais e demais distrações. Falar é fácil, mas nosso celular de estimação logo atrai os olhos a cada notificação, a verdade é que hoje não passamos de peixes perdidos num mar de iscas.

Um dos maiores pecados da sociedade da pressa, do coaching e do empreendedorismo é a romantização do excesso de trabalho e a abominação da procrastinação. A Noruega foi eleita a cidade mais feliz do mundo em 2017 e adivinhem só! É também a cidade com a menor jornada de trabalho do mundo. Daí a gente tira que trabalhar demais é só uma desculpa do seu patrão para extrair até a última gota do seu suor tão salgado quanto as compras do supermercado. Ora, valorize-se tal e qual os dígitos nas bombas de gasolina. Por vezes esquecemos que somos uma colônia de milhares de micro-organismos, olvidamos que temos em média 07 octilhões de átomos compactados dentro de nós, ou que o corpo humano é formado de 99% de vazio e ainda assim não podemos atravessar paredes... Não tiro a importância do trabalho, é claro, na medida certa é até saudável se ocupar com o ofício, o que fortalece as ligações sociais e nos faz sentirmos úteis em alguma coisa.

Tudo na vida pende numa balança. Se a gente trabalha exacerbadamente para alegrar o chefe que está mais preocupado com o seu pro-labore do que conosco, vamos sofrer. Se a gente procrastina a ponto de ver meme do LinkedIn, também vamos sofrer. O meio termo é necessário, saber reconhecer a importância de não fazer nada e a necessidade de fazer alguma coisa. E digo que o "não fazer nada" não merece sua infâmia, não merece ser posto na cruz e apedrejado todos os dias. Poxa vida, até Deus tirou um dia para descansar. Dedique um tempo para esquecer que o tempo está correndo, um tempo para se comunicar com o que você anda sentindo, com o que você está precisando; um tempo para fazer um cafuné na cuca de seu eu interior.

O mundo precisa parar, embora a Terra gire a 1666 quilômetros por hora e se ela parasse seríamos lançados para fora do planeta e desintegrados. Há a necessidade de impor uma contracultura, a cultura da contemplação, a cultura da tartaruga. Vamos deixar de olhar o relógio e pôr os olhos no que realmente importa: naquele passarinho cantando em cima de um galho, naquela flor que acabou de desabrochar em algum arbusto de sua rua; naqueles formatos nunca repetidos das nuvens; naquelas pessoas que vêm e vão todos os dias aos mesmos lugares e nem as percebemos... Temos que voltar a enxergar, pôr lentes nessa miopia que está nos descarrilando, pois a vida é trem-bala, parceiro, mas nós temos que andar a passos lerdos.