BARÂO DE ITARARÉ

MAR DE IGNORÂNCIA

Nelson Marzullo Tangerini

Depois de tantas vezes navegar no “Mar portuguez”, de Fernando Pessoa, posso ver, graças à literatura, quem navega no Mar de ignorância do presidente eleito pelos iletrados, como aqueles que aplaudem o miliciano valentão e fascista que acaba de receber uma medalha de Honra ao Mérito do Livro. O sentido conotativo aqui, a partir da palavra “mar”, me faz navegar em mares apropriados para aqueles que amam a literatura ou fazem dela a sua arte.

Imediatamente, depois da inusitada homenagem ao cavalgadura bolsonarista, na Biblioteca Nacional, o Sr. João Bosco Rabelo, que não conheço, faz circular, na internet, um texto seu, muito inteligente, interessante e apropriado, a respeito da homenagem literária a Daniel Silveira que, para ele, “equivale à nomeação de Incitatus, o cavalo de Calígula, para cônsul romano”.

Com pouca erudição, mais voltados que são para armamentos, coturnos e fardas, creio que o presidente e o truculento Silveira tenham pouca ou nenhuma intimidade com os livros e que não conheçam o repertório de taras, loucuras e barbaridades do tresloucado imperador romano. Se algum dia puseram suas mãos num livro, talvez tenham lido, apenas, a orelha de um livro do falso filósofo Olavo de Carvalho, guru dos desequilibrados - à moda dos intelectuais que leem pelo sovaco.

A família do poeta Carlos Drummond de Andrade, revoltada com tamanho deboche, alega que, se o gauche itabirano estivesse vivo, certamente devolveria a medalha. Enquanto isso, os escritores, professores e Acadêmicos Antônio Carlos Sechin e Marco Lucchesi se recusam a participar do evento e a receber as medalhas a que tinham direito, por conta de suas trajetórias como homens de Educação e de Letras. Outro intelectual, o sociólogo Gilberto Freyre, talvez, se vivo fosse, também devolveria a medalha.

Mas o repertório de asneiras não para por aí. É extenso, embora o gado se recuse a pesquisar sobre o assunto. Tão extenso é, que não caberia em uma crônica.

Depois de tanta corrupção e tanta destruição nas áreas da Saúde, da Cultura, da Educação e do Meio Ambiente, ainda ouvimos gente dizer que vai votar no genocida. Essa gente não assiste aos telejornais, não lê jornais e revistas? Não se informa? Não, porque estamos diante de fascistas empedernidos.

Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, também conhecido por Apporelly ou pelo falso título de nobreza de “Barão de Itararé”, jornalista, escritor e pioneiro no humorismo político brasileiro, nascido em 29 de janeiro de 1895, no Rio Grande, Rio Grande do Sul, e falecido a 27 de novembro de 1971, no Rio de Janeiro, RJ, é um alento para minha alma triste, neste momento de trevas e perseguições a pessoas que pensam. Porque ele conhecia bem a alma brasileira. Algumas de suas frases devem ser lembradas neste momento, em que muitos fascistas saem do armário e empurram o Brasil no abismo da ignorância.

Volta e meia, frases suas ventilam aos meus ouvidos, como aquela que diz que “Se há um idiota no poder, é porque os que o elegeram estão bem representados”. Tal frase pode servir, hoje, para melhor retratar esse bando de idiotas – e idólatras - saudosos da ditadura e do fascismo.

Muitos ex-bolsominions, agora envergonhados, chegam a pedir perdão pela m que fizeram. Porque sabem que fizeram mal a uma grande parcela da população. Arrependidos, têm coragem de dizer que erraram, que se enganaram quando votaram no Jair. E que jamais voltariam a votar nele.

Uns, porém, que fingidamente humildes se escondem, - fugindo da culpa -, dizem que votaram no Amoedo ou em outro candidato estacionado na lanterna das eleições. Quando não é isto, não revelam em quem votaram, para não passarem vergonha. E é nessas horas que volto a me lembrar do bem humorado Barão de Itararé, do qual pego uma frase, fazendo dela uma paródia mais próxima de nossa desgraça: "O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de ter votado num candidato grosseiro, tosco, ignorante e iletrado".

Enfim, há aqueles que carregam o fascismo em suas veias e em suas almas: querem um regime forte, a volta do AI 5, a volta da tortura e a intervenção militar. Acompanham o presidente em motociatas porque acreditam ser ele a reencarnação de Benito Mussolini, aquele assassino sanguinário e covarde que desgraçou a vida de muitos italianos. Saudosos de regimes autoritários, orgulhos de sua imbecilidade, odeiam aqueles – ou aquelas - que pensam, a ponto de tramar o extermínio de quem tem qi mais alto.

O cronista que vos escreve prefere mil vezes uma biblioteca do que uma sala de tiros.

NMT.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 05/07/2022
Reeditado em 05/07/2022
Código do texto: T7552848
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