Crônicas Egocêntricas Sexagenárias - nº 3: Vivendo e aprendendo a jogar, parte 1

Domingo, 10 de julho de 2022.

Sorocaba/SP, no aconchego do lar.

A Teoria dos Jogos é uma teoria matemática que estuda situações estratégicas em que dois ou mais agentes de decisão interagem, escolhendo diferentes ações na tentativa de maximizar uma situação ou resultado.

Inicialmente desenvolvida como uma ferramenta para compreender dinâmicas e comportamentos econômicos, a Teoria dos Jogos é atualmente utilizada em diversas áreas, como a genética, a psicologia, a filosofia, a guerra e até o resultado de eleições.

Mas, afinal, o que é um jogo?

A vida é um jogo!

Sendo economista por formação acadêmica, aprendi e logo me tornei adepto do instrumental proporcionado pela Teoria dos Jogos para me auxiliar em dilemas da vida pessoal, aplicando-a algumas vezes na resolução de situações profissionais, em virtude de minha atuação como consultor na área da Administração Pública.

Nestas crônicas a que me propus, algumas delas tratarão da aplicação de estratégias para alcançar um resultado ou minimizar um dano (que é o que muitas vezes é possível, na vida pessoal, inclusive).

Porém, antes de contar o primeiro destes “causos” específicos da atuação profissional, vou detalhar um pouco mais os princípios da Teoria dos Jogos.

A ideia fundamental da Teoria dos Jogos é que a recompensa de um jogador depende da estratégia instaurada por outro jogador. Assim, deve-se identificar as preferências e estratégias dos jogadores (aliados e oponentes) e tentar prever como estas preferências, estratégias ou reações afetarão o resultado daquilo que se busca.

Sendo o ser humano intrinsicamente racional (é verdade!), ele deve tomar decisões que o beneficiem (ou que o prejudiquem menos), e a partir desta análise deve buscar as gestões que fará em relação a algum objetivo.

Assim, antes de se tomar qualquer decisão, devemos nos colocar no lugar dos concorrentes, dos oponentes, ou dos cônjuges e familiares em geral, por exemplo (é o tal do “contexto”) e imaginar como eles reagirão a determinadas situações. Para então se tomar a decisão de fazer ou não alguma coisa, ou de reagir ou não a uma situação.

Por exemplo: sua esposa vai ao cabelereiro e faz uma revolução estética capilar não muito ortodoxa. E ela chega em casa, faceira, e você não achou que a obra fez jus a sua beleza arrebatadora. E agora?

Por um lado, você pode dizer que não gostou, afinal é sua opinião e pronto! Porém ... qual seria a reação dela?

Ela pode agradecer por sua opinião sincera e ressaltar que essa confiança no seu julgamento é uma das pedras basilares do seu relacionamento (improvável – importa informar que não existem registros científicos ou históricos de que esta reação tenha sido em algum momento praticada na longa jornada da humanidade – leve isso em consideração!).

Ou ela pode ficar magoada, ressentida, ferida, insultada, injuriada, ultrajada, melindrada, revoltada, indignada, irritada, possessa, raivosa, colérica, hidrófoba, abespinhada, iracunda, descontrolada, exaltada, desvairada, desarvorada, histérica, desnorteada, desgovernada, rancorosa, vingativa, emotiva, chorona, lacrimosa, aos soluços, e até mesmo “pistola” – tudo ao mesmo tempo, às vezes!

Se a reação esperada for a segunda, então a estratégia provavelmente será a de não tomar a iniciativa de opinar sobre a matéria. Ou seja, não fazer nada também é uma decisão. Às vezes, a melhor!

Dizem que no jogo de damas chega um momento em que se a próxima jogada for sua, você ganha. Se a próxima jogada for do oponente, ele ganha. Ou vice-versa, se você jogar agora, perde, se o oponente jogar agora, ele perde. Ou seja, pode-se ganhar jogando ou deixando de jogar.

Nada disso é verdade no caso em comento!

Porque, se partir dela a iniciativa de solicitar sua opinião sobre a nova arquitetura das suas melenas, após analisar as reações alhures referidas, a estratégia é relativizar a honestidade opinativa em prol da longevidade conjugal. Diga sempre que ficou “bacana” (não precisa exagerar porque elas creem que nós, os homens, somos todos toscos e que nossa inteligência é limitada para estas coisas tão transcendentais).

Então, é um jogo perdido! Mas para chegar a esta conclusão, você precisou, mesmo que não saiba, aplicar a Teoria dos Jogos! E a aplicação dela foi, sim, resolutiva: se você não tinha condições de ganhar o jogo, tratou de minimizar o dano!

Esta teoria também é conhecida como “Equilíbrio de Nash”, em homenagem a John Nash, um de seus idealizadores. No filme “Uma mente brilhante” (Oscar de melhor filme em 2002), John Nash é interpretado por Russel Crowe (indicado ao Oscar e ganhador do Globo de Ouro por sua atuação). O filme, excelente (recomendo para quem não assistiu) apresenta uma cena memorável em que Nash vislumbra a aplicação da teoria que estava desenvolvendo.

Resumidamente, os rapazes da universidade sempre iam no sábado à noite em um bar para se divertir e, obviamente, um dos interesses, talvez o maior, eram as garotas. Porém, entre elas, uma se sobressaia por ter uma exuberante beleza (uma loira de sete palmos) que ofuscava as demais. Os rapazes, todos, tentavam conquistá-la, mas ela fazia um “doce” e não ficava com nenhum. Assim no fim da noite, ninguém ficava com ninguém, porque as demais garotas ficavam ressentidas e não davam margem aos galanteios dos moçoilos acadêmicos.

Uma noite, Nash reconhece e analisa esta situação, prejudicial a todos, em que ninguém ganha, e propõe a seguinte solução: ninguém vai atrás da “exuberante”, cada um dos rapazes vai tentar ficar com uma das outras garotas. A estratégia incrementa substancialmente o resultado, pois desta vez, todos, com exceção da “exuberante”, ficam satisfeitos. Com a continuidade dessas gestões nas outras noites, a “exuberante”, fica mais humilde e passa a conviver com o grupo de rapazes e moças, gerando, então, a maximização da satisfação global.

Daí que, na vida, no amor, no trabalho, na política, pode se constatar, após análise dos oponentes e das suas possíveis reações, se temos condições de ganhar o jogo, elaborando estratégias para tal a partir desta constatação. Ou de que a propensão é de não conseguirmos o resultado almejado. Então a estratégia deve ser a de minimizar o dano, ou de não enfrentar a situação.

Vivendo e aprendendo a jogar!

Como esses alfarrábios se propõem a serem crônicas, e não tratados, encerro hoje por aqui, mas já anunciando que a próxima crônica vai tratar da utilização dos princípios da Teoria dos Jogos na resolução de um “causo” profissional envolvendo um prefeito chorão mas brabo que nem um cão que nunca ganhava – até nossa intervenção. Apresentando uma demonstração real de que, em algumas situações, se fizer o movimento certo, você ganha ou ganha!

Vivendo e aprendendo a jogar:

Nem sempre ganhando,

Nem sempre perdendo,

Mas aprendendo a jogar

(Aprendendo a jogar, de Guilherme Arantes)

Julio CF Silva
Enviado por Julio CF Silva em 11/07/2022
Reeditado em 11/07/2022
Código do texto: T7557510
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