Por falar em falar

“Se a gente falasse menos, talvez compreendesse mais”. Assim falou... não, não foi Zaratustra, foi Luiz Melodia “o novo peregrino sábio dos enganos”. A minha sábia mãe, dizia: quem muito fala, dá bom dia a cavalo. C’est tout la même chose, apenas troca de dizeres. São ditos atemporais. Éramos assim, continuamos assim e, pelo jeito, prosseguiremos sendo assim. Síndrome ou sina, de Gabriela?

Em tempos tão voláteis como os que vivemos, com as redes sociais dominando os nossos contatos é que isso se evidencia. E é aí que a máxima da comunicação se aplica: o que importa numa conversa nem é tanto o que se diz, mas o que a outra pessoa entende. Isso porque o bem feito ou o mal feito que virá, vai depender do entendimento de quem ouviu.

Explico. Tenho por hábito não apenas ler postagens das redes sociais, como os comentários que são feitos, para ver a repercussão entre os leitores e de como essas opiniões se ajustam ou se afastam daquilo que penso. E é aí que me deparo (segundo a minha ótica, claro) tanto com pertinentes, como com impertinentes comentários, derivados do entendimento que cada um teve do que leu.

Exemplifico primeiro com o que é pertinente, pois joga luz na discussão, agrega, leva à reflexão. Uma leitora querida e assídua aqui do Recanto, enriqueceu o meu texto Viajando nos livros, com o seu comentário sobre escolhas e o poder de fazê-las. “Para alguns, só existe o que lhes aparece, não há escolha qualquer”. Pensei também assim, de início, quando escrevia a coluna e fui em busca de mais argumentos que fundamentassem esse dizer. No livro A Bailarina de Auschwitz, inspiração do meu escrito, a autora chama a atenção sobre “um inimigo que vivenciamos agora. As pessoas ouvem as outras e não questionam a veracidade. Você tem que questionar a autoridade, a veracidade”. E pensei: quem escreveu isso, tem estofo para tal? Viktor Frankl e a sua história confirmam que sim. Pois assim foi com ele, pôde fazer escolhas passando por quatro campos de concentração, inclusive o de Auschwitz. Exceção? Alguns poderiam assim questionar, Mas foi essa quebra de regra que gerou as ideias básicas de sua obra terapêutica e de seus escritos, exatamente por ter o poder de escolha e manter, em tal situação desumanizadora, a liberdade do espírito.

E o que é impertinente? Vi uma postagem de uma escritora amiga, reproduzindo o texto, de Jeferson Tenório, Ler é aprender a ficar quieto. O texto é sobre um livro que responde à indagação de muitos sobre de onde vêm as ideias pra escrever romances, de onde surgem a histórias ou como os personagens são criados.

Gostei do artigo, quase unânime entre os que comentaram, sentindo-se representados pelo que o autor escrevia. Um deles destoava dos demais. É claro que isso é bom, e tanto Nelson Rodrigues (toda a unanimidade é burra) como Descartes (a dúvida metódica), falaram sobre isso. Mas há algumas premissas a considerar. A mais básica é, antes de tudo, ler, conhecer as ideias do autor, para contrapô-las. E não, apenas a partir do título, formar a sua conclusão. O ficar quieto para o autor é, após uma leitura de Hemingway, por exemplo, não ter vontade de acender a luz para não perder o encantamento. Isso não é se omitir, se calar. Muitas vezes as pessoas se aquietam e leem apenas o título e com essa leitura parcial dissertam sobre o conjunto da obra. Pongando em Melodia, eu digo: Se a gente lesse mais, e de modo apurado, com certeza também compreenderia mais.

Fleal
Enviado por Fleal em 19/07/2022
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