Alguém à porta

Muito se fala sobre a dificuldade em se terminar um relacionamento de muitos anos.

Pouco se fala, entretanto, sobre a dificuldade de se iniciar um relacionamento depois de tanto tempo sem ninguém.

Conscientemente ou não, todo fim tem como origem a genuína vontade de acertar.

“Dessa vez, vai dar certo.”

“Agora, é pra valer.”

“Por fim, achei tudo de que precisava.”

Ninguém entra num jogo pra perder.

Ninguém entra numa relação pensando no fim.

Mas, mesmo assim, há fins.

E não há como negar: todo fim machuca, dói e deixa feridas intensas.

Não há outra saída senão juntar os cacos, remontar-se e, inevitavelmente, seguir adiante.

Até hoje, não conheci ninguém cujo crescimento não se deva às dores da vida.

Tempos depois, lá estamos: cabeça erguida e coração remendado.

Felizmente, somos resultado de todas as dores e amores por nós vividos.

Então, suficientemente recompostos, seguimos.

Até que, um dia, do nada, surge alguém.

Despretensiosamente, esse alguém se aproxima e bate à porta.

Humanos, que somos, queremos deixá-lo entrar.

Mas, só então, percebe-se o desproporcional peso que essa entrega traz consigo.

Como começar de novo depois de tanta dor?

Como começar de novo depois da tortura que envolveu essa reconstrução?

Como começar de novo?

Como começar?

Como?

Num calor que envolve meu peito e minha mente, agarro-me à tão famosa frase de Vinicius: “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.

Sim, o ser humano nasceu para amar.

Talvez, a beleza da existência seja a capacidade de se construir e reconstruir, sempre, a cada nova chance que a vida nos dá.

Sendo assim, permitamo-nos, então.

Há, em algum lugar, alguém capaz de entender suas feridas e, pouco a pouco, abafá-las com a força e a concretude de um novo amor.