Fim de um Ciclo - M (Parte I)

M é uma série de relatos sobre uma experiência vivida, exposta para ser útil para outras pessoas.

O ano era 2020. A pandemia já se arrastava por uns meses, Eu estava sentado em um sofá, passando minhas noites em uma casa que não era a minha. O local tinha várias salas, copa, vários dormitórios, espaço amplo para atividades ao ar livre, mas não era uma casa comum.

Estava em uma clínica psiquiátrica, era uma excelente clínica, porém, é o local que se precisa estar, não o lugar em que se quer estar.

Eu havia passado algum tempo lá em 2015. Já estava em tratamento desde 2010, quando precisei ser internado pela primeira vez, então eu tinha uma década de terapias, e décadas de ensinamentos bíblicos, fora outras experiências, já entendia algo da vida e de mim mesmo, me perguntava se precisava estar passando por isso de novo.

Depois de duas semanas em um local que não é sua casa, sem conexão com o mundo exterior, as atividades do local não são mais suficientes, e o tédio passa a ser insuportável. Avistei alguns envelopes, uns papéis, e decidi escrever uma carta, o que me levou a outra missão.

Os lápis de cor eram abundantes no local, porém, as canetas eram uma raridade. Acredito que não preciso explicar com detalhes o porquê objetos pontiagudos e resistentes não eram amplamente disponibilizados em uma clínica psiquiátrica... Como eu só queria escrever uma carta, não desisti.

No outro dia, eu consegui a caneta emprestada, não prestei atenção se o funcionário mantinha alguma vigilância no meu uso, pouco me importava, em poucos minutos eu conseguiria terminar a mensagem e devolver a caneta.

A carta era destinada para mim, outra versão de mim, uma versão que eu não conhecia.

Eu tinha lembranças vagas do eu de 2010, e do de 2015, e acreditava que o eu do presente, o de 2020, poderia ter algo de útil para algum eu futuro. Eu acreditava que poderia estar mais confuso do que julgava estar, mas persisti e me dediquei.

Recebi alta na próxima semana, afinal, eu já sabia o caminho das pedras naquela situação.

Voltei a trabalhar assim que possível, e voltei a minha vida normal.

Coloquei a carta em um local visível, e esqueci dela, mesmo que passasse por ela todos os dias. Não me era interessante.

Eu não me lembrava de nada que havia escrito naquela carta, não me importava, julgava que provavelmente eram vários garranchos incompreensíveis.

Com a retirada gradual dos remédios, ficando só o que tomava desde 2010, comecei a notar algumas diferenças, noites mal dormidas, ansiedade, um comportamento incompreensível, porém familiar, que vinha de dentro pra fora. Meu médico me ajudou com um medicamento emergencial, porém, não resolvia. E eu sabia que havia grandes chances de piorar.

Olhei para a carta que eu havia escrito 2 anos atrás, entendi que aquele era o momento de ler. Ao ler a carta, percebi uma escrita clara, com ideias organizadas, inteligente, e útil para aquele momento.

Marquei uma consulta com o médico, apresentei minhas teorias, e bolamos juntos uma forma de contornar a situação.

Saí de lá com um novo plano de medicamentos, e aquela situação não se agravou, pelo contrário, fiquei muito bem.

Em 2010, eu acreditava que havia alcançado o fundo do poço, e que não havia nenhuma corda ou escada para subir. Porém, Deus colocou pessoas na minha vida, familiares, profissionais dentre outros, que me ajudaram com cordas e construções de escadas, de uma forma, que se caísse de novo no mesmo buraco, soubesse o caminho para subir.

Hoje sou grato por tudo, minhas dificuldades, sofrimentos e experiências vividas, são parte de mim, moldam minha forma de ver o mundo.

Se você está passando por momentos difíceis, saiba que há pessoas que podem te ajudar, que entendem o que você passa, você não está sozinho.

Allandef
Enviado por Allandef em 22/07/2022
Reeditado em 26/07/2022
Código do texto: T7565265
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