Sábado passado estive à passeio pelo centro histórico do Goiás Velho, a 145 km de distância da capital do Pequi. Visitei o Museu das Bandeiras, antiga cadeia da cidade onde ficavam presas as pessoas de alta periculosidade e também aquelas consideradas inúteis para a sociedade: doentes mentais, viciados, índios... Eles ficavam reclusos numa enxovia, uma espécie de masmorra, lugar insalubre, com pouca luz e escassa alimentação, bem debaixo dos pés dos homens brancos, que os julgavam e subjugavam.

 

           Mas o que eu quero frisar aqui é que os escravos não eram presos, eles não eram consideradas pessoas, cidadãs perante a sociedade, eram vistas como um objeto, como peças de uma engrenagem, eram a força de trabalho que moviam a economia, que fazia o dinheiro circular. Quando estes eram presos, era uma forma de penalizar seus senhores pelo não recolhimento dos tributos devidos. Não havia sequer distinção de gênero ou idade, eram apenas números. Isso me deixa perplexa!

 

           Dentro da enxovia (cadeia), senti o peso da escuridão nos meus ombros, aquele lugar fedia a sofrimento e o chão rangia clamando por socorro. Era palpável todo o terror que se passou ali. E de lá, tirei uma foto do dia lindo que estava fazendo além das grades, o céu estava azul, com sol radiante e com pássaros entoando cânticos alegres e a salvei como plano de fundo do meu celular. Eu pude presenciar o céu e inferno no mesmo lugar.

 

          O final de semana passou e voltei ao trabalho, depois de algumas horas após o almoço eu olhei para a tela desbloqueada do meu celular e senti como se estivesse presa naquela enxovia. Durante a faculdade, juro que pensei que o diploma seria minha carta de alforria, infeliz engano. Ora, estou trancada em uma sala da empresa, eu sou uma escrava “pejotizada” sem férias, sem 13º salário, sem depósito no fundo de garantia, sem direitos trabalhistas.

 

          É a escravidão do século XXI. Não evoluímos. Estou presa à correntes invisíveis da serventia e diariamente pego o navio negreiro até o local onde sou explorada, cumpro pena no regime semi aberto, saio de dia para trabalhar e volto à noite para dormir. Dou minha vida, meu sangue. Sou uma engrenagem. Uma máquina de fazer dinheiro. Eu não tenho um nome. Não tenho gênero. Eu sou um número.

Adenize Cardoso
Enviado por Adenize Cardoso em 26/07/2022
Código do texto: T7568178
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