Caçada ao Pokémon

Toda tecnologia traz um traço bem característico que consiste em permanecer um produto, aparentemente, estéril ou inofensivo em si mesmo, enquanto não ficar claro em favor de quem ela funciona ou poderia funcionar. Vale a pena destacar o tema porque a educação é um desafio social que vai muito além das salas de aula e diz respeito às possibilidades e às restrições ditadas pela atual sociedade da informação e das tecnologias. Quase sempre, a potencialidade de um dispositivo digital e seus possíveis efeitos colaterais não são facilmente perceptíveis à primeira vista.

Das mais antigas máquinas ao mais sedutor smartphone, somos levados a refletir a respeito dos interesses que estão por traz de suas redes integradas de produção e difusão. Lançado no Brasil recentemente, o Pokémon Go, jogo eletrônico que pode ser usado no celular, vem conquistando milhões de usuários, dispostos a andar a pé, caminhando de cabeça baixa em espaços públicos, para tentar capturar os monstrinhos, aparentemente inofensivos e divertidos.

O uso do jogo tem gerado diversão para muitas pessoas de todas as idades. Conseguiu motivar alguns jovens sedentários a sair do sofá para caminhar em busca dos bichinhos virtuais. Nos últimos dias, a configuração visual de espaços púbicos, onde as pessoas frequentam para fazer caminhada, ficou alterada. Houve um aumento de jovens que passaram a caminhar de olho no celular.

O aplicativo pode ser baixado livremente pelo usuário. Mas, é preciso estar ciente que sua utilização fornece informações do local exato onde o usuário está, o que tem gerado polêmica. A mídia noticiou casos de acidentes de trânsito nos Estados Unidos e em outros países, causando a morte de jogadores que estavam caminhando, de olhos fixos no smartfone, e foram atropelados. Regimes mais autoritários anunciaram a proibição do jogo em seus países. Fala-se de casos de acidentes com outros jogadores que estavam perseguindo os monstrinhos, enquanto dirigiam.

Casos mais controversos envolvem teorias conspiradoras, associando um diretor da empresa produtora do jogo que já esteve envolvido em polêmicas com o serviço secreto do governo norte-americano. Ao que tudo indica, a versão difundida no Brasil parece ser menos invasiva do que a primeira que exigia do usuário o fornecimento de vários dados. De qualquer modo, é preciso ter consciência de que o vazamento de dados fornecidos pelo usuário pode revelar a posição exata em que ele se encontra no momento em que joga. Para que serve esse tipo de informação? Em si mesmo para nada.

Até o momento que os dados caírem nas mãos de organizações com segundas intenções. O funcionamento do game utiliza outros aplicativos acoplados, o GPS (sistema global de posicionamento) e a realidade virtual ampliada. O dispositivo seduz o usuário pelo encontro provocativo de duas realidades, uma transvestida em imagem digital e outro do mundo imediato da vida não-tecnológica.

No plano educacional, somos levados a indagar: qual é a finalidade desse e de outros recursos tecnológicos? A resposta depende das intenções de seus usuários e produtores, pois, todo recurso dessa natureza não traz, em si mesmo, nenhuma virtude ou maldade, pode entreter, expandir a eficiência do trabalho e do lazer, elaborar novos conhecimentos ou resolver problemas. Acima das máquinas estão as pessoas dotadas de consciência e inseridas em seus redutos sociais. Assim, retornamos à importância da educação de qualidade para todos. (publicado no Correio do Estado, em 11 de agosto de 2016)