Avistei de longe, o dito cujo. Já dei a ele diversos apelidos pejorativos. Sim! Entre o céu e o inferno existe um ser humano cumpridor de suas obrigações legais, mas limitado ao extremo. Essa sou eu, principalmente, depois da quadragésimo nona investida no sinal. Prazer, meu nome é incoerência.

 

Sequestrador de ar condicionado, pulga de asfalto quente, sinaleiro de fórmula láctea, vendedor de desgraça alheia, boca de urna. Meus pensamentos fazem fila indiana pra nominar o adestrador de motoristas com ênfase em semáforo. Parece piada de comediante iniciante, mas não é. Stand up nessa altura do campeonato, é na marra. Risos entre os dentes, principalmente, depois da norma que tornou facultativa a utilização de máscara em locais abertos. Se pudesse fazer um pedido ao arquiteto desse universo todo seria: disfarçar minhas expressões faciais e me fazer Monalisa, pintada a dedo, assim como a de Da Vinci.

 

O moço, invasivo por si, ao ver uma janela aberta, coloca a cabeça dentro do carro alheio. A justificativa é mostrar como a entidade que representa, gasta os recursos angariados no semáforo e pedir pra aumentar o valor e possibilitar que a arrecadação seja duplicada. 

 

Na primeira vez que vi aquela cena de invasão de privacidade, quase o triturei com fechamento automático dos vidros. Loucura! Imagina o meu desespero. Sonhei por dias que tinha decapitado o rapaz. No sonho, a cabeça dele se separava do corpo e caía sobre o meu colo. E, pra piorar, ele continuava me xingando, morto. E o corpo dele, ficava dançando e acenando em ritmo de funk. Freud explica.  

 

Como a esperança é a última que morre, ao vê-lo, imaginei ingenuamente, que pudesse ter mudado de atitude, mas não. O aprendiz de piloto enfiou a prancheta na janela e com ela uma circunferência peluda, escorregando de suor:

 

- Posso contar contigo outra vez? Olha o nosso resultado...

 

Não pode contar comigo, contigo e nem consigo... Tem dias que o pau da barraca não aguenta o vento...

 

- Que isso, moço. Desse jeito você não só vai afastar os colaboradores para ajudar na manutenção da entidade, como vai ficar sem pescoço. Tu faz parte do SNFC? Sem Noção Futebol Clube.

 

O rapaz colocou a cabeça pra fora e começou a gesticular, dizendo que o dinheiro não era tudo e que ele estava trabalhando, honestamente. Tossi, ironicamente, e olhei pra ele como quem tivesse acertado a charada e feito Enola Holmes, dei um belo sorriso e soltei:

 

- Experimenta ficar sem ele, pra ver se ele não faz falta? 

 

O aprendiz de feiticeiro olhou-me, acionando todas as armas de fogo de uma única vez:

 

- Moça, você precisa ter paciência. Está estressadinha?

 

E eu, humana que sou, "verborrajei":

 

- Paciência até tenho. Só não desperdiço. E acenei, sorrindo...

 

Dias de luta e dias de glória! E por falar nisso, minha agenda está livre à tarde para eventos em que humilhados sejam exaltados. Algum programa?

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 18/08/2022
Reeditado em 18/08/2022
Código do texto: T7585280
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