DRUMMOND

EU TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO

Nelson Marzullo Tangerini

Escrevo esta crônica em agosto de 2022, às vésperas, portanto, das eleições presidenciais, para lembrar que Drummond continua atual. Duas poesias suas, que ora republico, trazem o que sentimos em nossas almas, neste momento em que nosso sombrio país optou pela valorização das armas, enquanto, metaforicamente, lançam-se livros à fogueira e decreta-se que a intelectualidade comprometida com a democracia e ideais elevados e iluminados sejam limados da História.

Mas, como diz aquele Hino ufanista e positivista, “Verás que um filho teu não foge à luta”. Pois é hora de lutar – sem violência, com ideias – e reverter este quadro que o atual governo deixou mofar num quarto escuro e insalubre de um casarão abandonado e assombrado.

De minha parte, acredito que só a Educação Libertária, racional, destruidora de mitos e ídolos duvidosos, nos salvará "dessas trevas e nada mais".

Porque é hora de cientistas, médicos, professores, artistas - cantores, compositores, escritores, pintores... - se unirem para salvar os cérebros pensantes da extinção.

Eu também já fui brasileiro, assim como Drummond, e exaltava os grandes nomes de nossa história, como Assis Brasil, Oswaldo Cruz, Machado de Assis, Lima Barreto, André Rebouças, Nise da Silveira, Rachel de Queiróz, Lígia Fagundes Telles, entre tantos outros nomes de relevância, nomes, enfim, que nos orgulham.

Em meio a essas tenebrosas trevas, pinço dois poemas do “gauche de Itabira”, tão atuais para este triste momento, para que possamos refletir – num país onde muitas pessoas deixaram de usar o cérebro :

“EU TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO

Eu também já fui brasileiro

Moreno como vocês.

Ponteei viola, guiei forde

e aprendi na mesa dos bares

que o nacionalismo é uma virtude

Mas há uma hora em que os bares se fecham

e todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.

Bastava olhar para mulher,

pensava logo nas estrelas

e outros substantivos celestes.

Mas eram tantas, o céu tamanho,

minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.

Fazia isto, dizia aquilo.

E meus amigos me queriam,

meus inimigos me odiavam.

Eu irônico deslizava

satisfeito de ter meu ritmo.

Mas acabei confundindo tudo.

Hoje não deslizo mais não,

não sou irónico mais não,

não tenho ritmo mais não”.

Depois de gerar tantos filhos ilustres, iluminados, eis que o Brasil gera um imbecil e uma gama de seguidores fundamentalistas, popularmente conhecidos como “o gado”: uns, velhacos, saudosos da ditadura e seus torturadores e esquecidos de que torturados e mortos – os verdadeiros heróis - deixaram seus nomes na História, como o nobre jornalista Vladmir Herzog; outros, jovens iletrados, preguiçosos, avessos aos livros de nossa História recente, repetem o coro dos genocidas.

Mas a verde e verdadeira esperança (não confundir com o verde oliva que ora se assanha e nos amedronta), ainda que “emparedada”, há de resistir aos fortes e violentos ventos do autoritarismo e do fascismo. Porque só de mãos dadas venceremos os sádicos já não mais escondidos atrás das portas dos armários. De mãos dadas venceremos o Gabinete do Ódio e a Bancada da Bala.

E prossigamos com Drummond:

“MÃOS DADAS

Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros.

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles, considero a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,

não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,

não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,

não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes,

a vida presente”.

Os medíocres não passarão! Porque resistiremos com Chico Buarque, Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Conceição Evaristo - enquanto novos intelectuais nos fazem crer que a resistência continuará.

A fábrica produz automóveis defeituosos, se os fascistas a dirigem. Mas ela também deixa passar veículos tinindo de novo, de novas ideias, renovadoras. essenciais para um tempo de homens caducos.

Que o Brasil e Drummond resistam ao temporal!

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 20/08/2022
Código do texto: T7586921
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