O senhor estagiário

Atendendo ao convite de uma ex-colega de trabalho fui conversar com os estagiários da empresa em que trabalhei por 30 anos, nas comemorações do dia a eles dedicado. De imediato meu lado politicamente incorreto aflorou e reagi com fingido espanto: e eles já têm até dia? É muito luxo. Deixaram de ser a última pessoa depois de ninguém?

Incorreções à parte fui informado que o mote maior da conversa seria o filme O Senhor Estagiário, estrelado por Robert De Niro e Anne Hathaway e que eu teria toda a liberdade para conduzir a sessão.

Por ter essa licença assumi o mesmo papel de De Niro no filme, me apresentando ao grupo como o primeiro estagiário sênior da empresa, como parte de um programa de integração entre velhos e jovens valores profissionais, que contemplava maiores de 70 anos que haviam sido estagiário na empresa.

Na introdução da conversa lembrei do início na instituição, em 1979, e do processo seletivo para o ingresso. Um verdadeiro vestibular, me lembrou um companheiro da época. Além da prova escrita, muito rigorosa, havia ainda a entrevista, seguida de um curso, de 40 horas, com informações básicas que seriam importantes no estágio e o somatório desses itens definiria as colocações dos candidatos. Isso fazia com que, na faculdade, os estagiários dessa empresa se destacassem entre os demais alunos.

Na ocasião do curso convivíamos com os fundadores da instituição que repassavam, além do conhecimento técnico necessário ao aprendizado dos jovens, a história de sua criação. Os bastidores dessa aventura, o lado B da história, eram narrados, informalmente, pelo motorista mais antigo, que acompanhou toda a peripécia de viagens entre João Pessoa e Recife com destino, na época, à prestigiada Sudene.

Após esse introito fiz algumas recomendações do que deveria ser observado na passagem do filme, especialmente como a experiência de Ben (papel de De Niro) poderia ajudar para que se destacassem no estágio que estavam iniciando. Aproveitei para falar do meu lado emotivo, que a idade só fez consolidar, e sugeri que eles registrassem as cenas do filme que achassem que eu teria chorado e dessas qual a que me transformou num rio de lágrimas.

Assim, depois de todo esse leriado, ao som de Rita Lee “no escurinho do cinema...” e da distribuição de pipocas, fomos à exibição. Filme concluído, os aprendizados tirados por eles apontaram para aspectos como comprometimento, inteligência emocional, solidariedade, iniciativa, experiência, empatia, como temas indispensáveis ao desenvolvimento das pessoas e empresas.

Numa época em que o etarismo é posto em questão e que, para fugir disso, as grandes empresas desenvolvem programas para aumentar a diversidade etária de suas equipes, senti-me bem em estar envolvido nesse evento que chama a atenção dos mais jovens para a contribuição que ainda pode ser dada pelos mais velhos.

E eles acertaram sim, as cenas em que chorei. Se eles também choraram, não sei, afinal o chororô dos mais jovens não costuma ser tão frouxo assim como o meu, “que ando tão à flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar”. Sucesso sempre, aos estagiários.

Fleal
Enviado por Fleal em 23/08/2022
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