TU...TU...TU...TU...

Pouco tempo antes de falecer em um acidente de carro, uma pessoa fez um empréstimo em um banco, forneceu o nome de um avalista e, também, o do meu amigo Fernando (inclusive o número do seu telefone residencial), como uma boa referência. Ocorre que no dia do sinistro, o avalista estava ao volante do mesmo veículo, que “chapou de frente” uma carreta.

Foi chegando o dia de pagar o empréstimo e claro que ninguém o fez. Então, os funcionários do banco começaram a ligar para Fernando, que, criativamente, passou a explicar que o dono da dívida morrera, falecera, “batera as botas”, “esticara as canelas”, defuntara, parara de respirar, fora-se, mudara-se para cobertura, partira de vez, passara a habitar o andar de cima ou de baixo..., mas não adiantava nada, o pessoal continuava perturbando, as correspondências continuavam chegando e os telefonemas sendo feitos nos horários mais inoportunos.

Incrivelmente, os dois mil e trezentos, que cobravam inicialmente, pouco tempo depois já haviam se transformado em dez mil e cacetada. Enjoado com as cobranças, ele resolveu ir pessoalmente ao banco comunicar o falecimento do conhecido. A atendente informou-lhe, muito gentilmente, que ele poderia, se quisesse, assumir a dívida e pagar quatorze parcelas de R$799,00. Meio desbocado, meu amigo teve de se conter muito para não mandar a moça tomar em um lugar cabeludo que não bate sol, em resposta à sua proposta indecente.

Perguntei-lhe como se sentira com a oferta e ele, muito sacanamente, me disse que quase deu pulos de alegria. Entendi. Já imaginou ser convidado a pagar a dívida de alguém que é apenas conhecido e que ainda por cima já morreu? Quem sabe se o falecido não ficaria tão agradecido por ficar com o nome limpinho aqui na Terra, e não lhe sopraria aos ouvidos os números a serem sorteados na próxima Mega sena, perguntei-lhe. Inocência minha!! Quase que ele mandou a mim tomar naquele lugar que ele poupou a moça da proposta indecente!

Pensa que o pessoal do banco desistiu? Até hoje eles ligam procurando pelo morto. Então, quando Fernando atende e percebe que se trata de alguma funcionária de lá, ele faz uma voz bem cavernosa e diz:

-Moça, eu não pooooosssoooo pagaaaar porque já mooorriiiii. Aqui onde eu estou nããããão há dinheeeeeeiro. Cobreeeee-me na outra encarnaçããããão, por favooorrr!

Às vezes ele muda o discurso, quando lhe dizem que gostariam de falar com o Sr. Fulano de Tal. Sabe o que ele responde? “Eu não gostaria!”. Normalmente a pessoa pergunta a razão, ao que ele responde: “Porque de morto eu quero é distância.”

Dia desses uma nova sujeita foi encarregada de ligar para Fernando na hora do almoço. Apesar das habituais respostas dele, ela pareceu não ter entendido o que sucedera ao devedor, pois saiu-se com essa: “Caso o Sr. esteja entrando em contato com ele, por favor, diga-lhe que ele pode estar nos procurando para estar pagando em suaves prestações ou, se preferir, pode estar quitando à vista com desconto de 10%.”

Ao ouvir tanta “generosidade” envolvida em burrice, meu amigo que, assim como eu, tem ojeriza ao gerundismo, não se conteve e lhe disse:

- Vai para p.q.p., cacete! Além de burra é surda? Quer mesmo receber do falecido? Procura um centro espírita. Quem sabe ele não baixa em algum médium e psicografa um cheque para você?

A moça deve ter se assustado, porque a seguir ele só ouviu um: “Cruzes!” e nada mais além de: Tu...tu... tu...tu...tu...tu...

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 24/08/2022
Código do texto: T7589958
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