Auxiliar de desenvolvimento infantil

Um mix de sentimentos, como algumas pessoas costumam descrever situações que geraram confusão mental, no meu caso parecia que aqueles personagens do filme “Divertidamente” estavam se atracando no carpete do meu cérebro.

Completei três meses agora no início desse mês, trabalhando como auxiliar de desenvolvimento infantil em uma escola municipal da cidade onde moro desde que nasci. É diferente de tudo com o que trabalhei na vida, pois até então, nunca havia trabalhado com crianças, mesmo sabendo que eu me sairia bem, pois sempre gostei e me dei bem com o público infatil, mas a questão é que preciso bem mais que isso para se executar as funções descritas no meu hall de atividades.

É muito trabalhoso, desde o auxílio nas atividades, alimentação e a higine. Toda vez que troco fralda, e isso equivale há umas quinze vezes no dia, eu lembro que a prova de matemática do concurso que prestei para esta vaga estava demasiadamente complicada. Mas ao final do dia, com o corpo exausto, a minha mente encontra-se intacta e cheia de histórias divertidas para dividir com os amigos em uma mesa de bar com uma porção bem gordurosa de batatas fritas e uma original geladinha, ou em casa mesmo, assim que chego.

A introdução foi grande, mas já posso começar a explicar o tal do “mix de sentimentos”. Primeiro a surpresa. Oh, o quão surpreso eu fiquei depois que percebi o meu equívoco. Tenho um aluninho, do qual irei preservar a identidade (vai que resolvem me processar, não é mesmo?!), que sempre quando eu chego e ele está acordado, ele vem com os bracinhos abertos correndo para me abraçar gritando: “Tiiiiiiiiiooooo”. Quando dá tempo, eu me agacho e ele me abraça, às vezes ele é rápido demais e acaba abraçando minha perna. Eu trabalho no período da tarde, então quando eu chego, geralmente eles estão na “hora do soninho”.

Pois bem, nesse dia, quando eu cheguei, todos já estavam dormindo. Mais tarde, já quase na hora de voltarmos para a sala para preparar as crianças para a hora da saída, levamos os pequenos para o parque, na área externa. De repente, esse aluninho em questão que me cumprimenta com os bracinhos abertos, veio com eles estendidos para mim, falando e não gritando como de costume “Tio”. A cara dele era de preocupação, mas eu não analisei a situação, simplesmente estendi as minhas mãos para retribuir o carinho que eu esperava receber, mas foi muito mais pastoso dessa vez. Eis que ele olhou para os meus braços estendidos e passou a mão dele na minha, quando senti alguma coisa na palma da minha mão, fui conferir o que era. O aluninho havia enfiado a própria mãozinha em sua fralda, e claro que ela estava cheia. De rápida surpresa passaremos para o nojo. Saio com as mãos estendidas com a minha cara enrrugada e a boca torta para baixo. A professora olha para mim e pergunta, “O que aconteceu?” – no que eu respondo, “fulando passou merda em mim”, enquanto saio correndo para lavar.

Volto, pego ele pelo bracinho, até porque as mãozinhas daquele rapazinho estavam comprometidas, e o levo para se limpar e trocar aquela obra de arte. Assim que eu o deito no fraldário, começo a dialogar: “Então fulano, não pode colocar a mão na fraldinha” – no que ele responde assim: “É né, tio?! Não pode colocá a mão na meda, né?!”. Dou uma seguradinha na risada e repito que o certo é falar só “fraldinha”. Mas ele resolveu insistir no texto: “Tá bom tio, não vô mais colocá a mão na meda”! Deixei pra lá e me preocupei em deixar aquele mocinho bonitinho e limpinho para a hora de ir embora.

Engraçado que não falamos determinadas palavras na escola, professor falar palavrão é tabu até quando não tem criança presente, então existem situações que ficam claras que a criança sabe que aquela palavra existe porque ouviu em casa. Logicamente os responsáveis por sua criação vão negar. Raros os casos que assumem a culpa. Criança quando está aprendendo a falar imita o som de tudo e acaba entendo muitas vezes até onde empregar uma palavra ou outra. Criança que fala palavrão, geralmente o solta quando fica nervosa, pois foi assim que ela viu ser reproduzido na frente dela. O que tem dado certo, é ao invés de repreender, simplesmente a gente sugere a substituição. Antes, eu falava “que coisa feia, não pode falar isso” e acabava piorando, tem muita criança que acha engraçado quando leva bronca e eu não consigo entender o porquê. Então, hoje eu faço da seguinte forma: “Não é assim que fala, é assado” – ensino novas palavras para que ela substitua aquela que aprendeu. Tem dado muito certo, mas é trabalho de formiguinha, todo dia tem que ser praticado e com o tempo, a criança começa a corrigir os próprios pais.

Não achei que fosse gostar tanto do que faço, às vezes nem parece trabalho, mas cansa muito mais do que os outros empregos que já tive. Ainda assim, não mudaria nada na minha trajetória, o abraço de uma criança, um ser que não sabe o que é inveja, não aprendeu como o dinheiro funciona e o que ele representa no mundo dos adultos, é o amor puro e verdadeiro. Por isso, afirmo sem pestanejar, hoje eu sei o que é amor, o que é sentir, dar e receber, sem ele o meu trabalho não seria possível de ser executado.

Gustavo Barreto
Enviado por Gustavo Barreto em 25/08/2022
Código do texto: T7590904
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