Cores e meses

As cores, assim como as palavras, que trazem poesia em si, também versejam e atraem ouvidos e olhares. Muitas delas até são cantadas em prosa e verso. E enquanto umas pintam o amor como azulzinho e até vestem a cor do mar para que a sua sorte mude, outras preferem ser paixão, ou até mesmo tomar a forma e a cor de um girassol, num colorido bem musical.

Talvez pelo encantamento sensorial que provocam, a associação de cores aos meses do ano tem sido usada como um importante instrumento de conscientização sobre temas diversos como câncer, transtornos mentais e doação de órgãos.

Assim é com o Outubro Rosa, ou o Novembro Azul. Aqui é clara a associação das cores ao público a ser alcançado, as mulheres, e o câncer de mama, e os homens, o câncer de próstata. Essa escolha, embora hoje o seu uso seja motivo de discórdia, vem dos anos 1990, quando ainda não se divergia tanto sobre a ligação tonal ao feminino e masculino.

O Outubro Rosa, iniciado em NY, por ser o mais antigo, também é o mais conhecido. Já o Novembro Azul começou na Austrália, em 2003, trazendo consigo um detalhe curioso: durante o mês em que o tema é lembrado, os homens, para chamar ainda mais a atenção para a campanha, deixam crescer o bigode, à moda de Mario Bros, aquele personagem do jogo da Nintendo. Tudo pela conscientização.

Mas o caleidoscópio gira não só em torno dessas cores. No mosaico há o amarelo, dos belos ipês, que associado a setembro, o mês das flores, chama a atenção para um grave problema de saúde pública, o suicídio, responsável mais de 800 mil mortes no mundo, todos os anos, segundo a OMS.

O que me trouxe até aqui? O relato de uma senhora, mãe de dois filhos. O mais velho não sofria de depressão, era um jovem alegre, cheio de amigos, frequentava a igreja e tocava violino. Tinha muitos sonhos e planos. O mais novo, trilhava o mesmo caminho. Os receios dela em relação a eles não eram muito diferentes dos de outras mães, em situação parecida: acidente, doença, ou bala perdida. Nenhuma história familiar que os ligasse ao suicídio.

Uma desilusão amorosa foi o que bastou para que o mais velho, aos 16 anos, tirasse a própria vida. Três anos depois de sua morte, aos 18 anos, o mais novo, igualmente um filho maravilhoso, mergulhado numa depressão abissal após a ida do irmão, também se matou. A mãe, não culpa ninguém. Apenas diz, foi uma escolha deles.

Não passo um dia sem pensar nessa dor. E penso nas 800 mil vítimas que a cada ano deixam a interrogação na cabeça dos que ficam: por que fez isso?

Foi aí que vi o título de uma música de Emicida, AmarElo, assim mesmo, com esse arranjo de letras, enfatizando o Amar o Elo. Elo que é conexão, junção. ligação, união, vinculação, como atestam os dicionários, todas associadas à família. E quanto mais essas palavrinhas estiverem presentes nelas, talvez se possa minimizar (atenção: minimizar) a possibilidade desses atos trágicos. Ninguém está livre deles, da cabeça de gente é capaz de sair de tudo. Mas o elo amoroso talvez possa sustentar a vida por aqui por mais tempo.

Fleal
Enviado por Fleal em 13/09/2022
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