Entrei no elevador e, como sempre -as vezes tenho a sensação que preciso trocar o chip mental-, não apertei o número de destino. Esperar o que dos distraídos? O jeito é contar com a sorte. Mas ela, parecia bastante ocupada, acompanhando o novo milionário da região da Mantiqueira. “Lasquei-me”!

 

Décimo segundo andar! Apenas dez acima do meu. Fui contando os indiozinhos. A porta se abriu e - tenho predileção por idosos de toda monta- e entrou um. Apressado e um pouco desajeitado, tentava fechar a carteira de documentos, quando menos, caem diversas fotografias do tipo 3x4, no chão. Abaixei-me para catá-las e ao elevar o olhar, dei de cara com a aspereza do senhorzinho: - Não amassa minhas estimas. Tem muita história, nelas. E as tomou de minhas mãos, grosseiramente.

 

Como sou dura na queda, ainda puxei papo. Ele mostrou timidamente as imagens da queda, nominando um a um. Até que uma mulher de olhos azuis e cabelos brancos encaracolados, mudaram o rumo da prosa. Ao falar de Inês, a rispidez foi substituída por suspiros e doces falas.

 

- Se quiser descobrir sobre amor, esqueça tudo que sabe. Amor é construção e não é essa poesia doce que o povo fala, amor é entrega ativa, é associação por vontade... A voz parecia embargada por um nó que quis chamar de saudade.

 

Retirou do bolso um livreto e passou a ler mensagens trocadas com Inês, nos 65 anos de matrimônio. Eram tantos sentimentos naquele pequeno livro que embarquei numa viagem, sem me lembrar sequer de quem era ou onde estava.

 

- Mas a covid a levou. E para não esquecer as sensações que tive com ela, leio várias páginas todos os dias. São retalhos de uma colcha linda que chamei de vida! Que não ficaram presos à sala, nem fazem parte de álbum engavetado. Nossos sentimentos não eram inertes, eram sim, movimento puro, maresia. Como esse elevador, menina dustraída! - ralhou o moço com olhar firme e sobrancelhas arqueadas, como quem tivesse vestido a armadura que o tornava forte e que disfarçava a doçura do amor que ainda morava nele e do qual tinha saudades.

 

- Se não apertar o número, vai ficar parada aqui no tempo...

 

E ele tinha razão. E eu sorte. Apertei o 2.

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 13/09/2022
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