AUSÊNCIA DE POESIA

Talvez a poesia esteja mesmo se extinguindo no cotidiano das pessoas, não sei se as novas demandas sociais e tecnológicas contribuem para isso, ou se é a falta de cultura que nos assola mesmo. Lembro-me de um tempo em que a poesia estava tão presente em letras de música, na fala mansa das pessoas simples, nas manchetes dos jornais e até na narração esportiva, só para citar o grande Fiori Gigliotti, o poeta do rádio.

Atualmente não é bem assim, esses dias tive o desprazer de ler um livro de poesias, onde (pasmem!) não havia poesia. O que se via era um emaranhado de palavras cruas, carentes de assombro e ausentes de inquietação. Havia, é certo, a forma, o corpo, o poema; mas não a alma que é imprescindível à poesia. Terminei a leitura e não tive mais vontade de voltar àquele livro, sem o espanto imprescindível que nos faz repensar o impensável, que nos desestabiliza positivamente, abrindo nossos olhos e nos acordando de um sono profundo não valia à pena, pois a poesia é esse misto de espanto e magia.

Apesar de tanto desencanto, acredito mesmo que a poesia pode brotar em todo canto, mas é preciso aquilo que Bilac descreveu como “ter ouvido capaz de ouvir e entender as estrelas”, nesse caso é preciso ter olhos capazes de ouvir, de sentir, de saborear... Já ouvi poesia no vento arrastando as folhas, no cheiro bonito do mato, no canto de muitos pássaros então a poesia transborda, desde que, obviamente, esteja ele solto, pois não há poesia sem liberdade. Um conhecido me disse que há um lugarzinho na varanda da casa onde mora que na hora que o sol se põe é impossível não chorar, fiquei imaginando como seria esse lugar, deu vontade de cometer a indelicadeza de me convidar para ir a sua casa assistir a essa linda poesia crepuscular.

Vi, recentemente, algo que me encheu de esperança. Um homem que vive num desses países onde se cometem a crueldade de vender tartarugas vivas para satisfação culinária, como se já não fôssemos cruéis o suficiente em comer tantas espécies. O fato é que esse homem tem por hábito comprar tartarugas para soltá-las ao mar. Despi-me de todo racionalidade de questionar a atitude, seja contraditória ou não. Só o que percebi foi a poesia contida na história, em cada soltura concedida, um belo verso, a melodia de um ideal de liberdade, o ritmo em poupar seus recursos, talvez tenha deixado de comprar livros de poesia, para resgatar aquelas que já tinham seu destino traçado, a cadência do caminhar até o mar para dar a vida de volta. Lutando por uma causa, ele fez, em si, a própria poesia.

Sempre que tenho a oportunidade recito algum poema, seja de Drummond, Pessoa ou Bandeira. Penso que seja uma forma de preservar essa utopia, ou talvez seja só extravagância, mas admiro mesmo quem abraça a poesia sem precisar declamá-la ou escrevê-la. Há pessoas que exalam poesia em seus gestos, no olhar, na presença. Há pessoas que realmente são poesias de carne e osso. Embora a poesia esteja ainda tão ausente ,não acredito que vá desaparecer, pelo menos enquanto tiver um homem, em algum lugar que compre tartarugas para soltá-las ao mar.