A PALAVRA CHAVE

Hoje me emocionei quando uma amiga me disse o quanto que uma poesia que tive a oportunidade de recitar, em um encontro profissional, pôde ajudá-la a tomar uma decisão. De fato o poema, de autoria do escritor português Fernando Pessoa, tem vida própria, eu só fiz invocá-lo em momento oportuno. A literatura tem dessas coisas, tem a magia de penetrar nos corações e o fascínio de semear uma alma.

Fiquei pensando em tudo que a poesia também fez por mim, em como foi decisiva na escolha de minha profissão, em como permeou minha vida em momentos importantes, mas sobretudo no propósito que ela carrega em si, o de inquietar a nós, leitores. Em uma sociedade que tanto cultua o superficial, onde o entretenimento nos oferece a ilusória tranquilidade da zona de conforto, a literatura nos concede o espanto, o assombro que tanto precisamos para enxergar além.

Mesmo com tantos avanços tecnológicos, a palavra continua sendo o maior instrumento de poder. Cecília Meireles, outra escritora que destilava o espanto em seus versos, escreveu: “Ai, palavras, ai palavras, que estranha potência, a vossa!”. Estranha potência, como uma bomba que só depois de lançada se conhece os reais efeitos, exceto pelo fato que a bomba só tem o poder de destruir, já a palavra, essa é capaz de construir pontes, conquistar liberdades, resgatar o perdido, acordar o adormecido, transformar pessoas...

Quanto de subversivo pode haver em um verso? Os governos tiranos sabem bem, a primeira ação é sempre censurar, proibir, impedir que a palavra seja dita. Como em 68, até hoje conhecido como o ano que não acabou, aquele regime ditatorial entendia o poder devastador de uma juventude caminhando e cantando, e tentou calá-la a qualquer custo.

Penso que nossas crianças e jovens de hoje deviam aprender, talvez com algumas letras de Chico Buarque ou poemas de Fernando Pessoa, o quanto de rebeldia um texto pode suportar, não essa rebeldia destruidora dos blackblocs, mas a rebeldia do protesto inteligente, a rebeldia de acordarmos dessa espécie de servidão voluntária em que vivemos. As escolas deviam ensinar menos gramática e se preocupar mais com a carga ideológica que pode conter uma palavra. As aulas, certamente, seriam menos copiadas e mais pensadas, teríamos menos repetidores e, quem sabe, mais leitores críticos.

Que possamos ter a sensibilidade suficiente, como minha amiga, de sermos transformados positivamente pelo poder das palavras. Sobretudo que tenhamos também o poder de desencantá-las, quando isso for preciso, para que não sejamos seduzidos por quem as usa para nosso mal, pois, como nos ensinou Drummond: “Chega mais perto e contempla as palavras/Cada uma/tem mil faces secretas sob a face neutra/e te pergunta, sem interesse pela resposta/pobre ou terrível que lhe deres/Trouxeste a chave?