Sou do tipo que deixo a imaginação passear de avião à jato. Quando menos espero, sou tomada pela racionalidade e dou um breque na fantasia.

 

Tem hora que não dá muito tempo e quando vejo, rio do enredo engedrado. Uma história mental provisória que viraria um romance. A Globo anda me perdendo... Vez ou outra me pergunto se um psiquiatra me ajudaria...

 

O homem do jaleco branco era um figurão que subia, diariamente, a rua do meu trabalho. Alto, magro, cabelo fino e de poucos fios. O seu jaleco era desproporcional ao seu corpo esbelto e esguio, ficando bem acima da linha das nádegas. Coitado, o uniforme não era padrão 2,10 m. Era um tipo desconfiado, andava pelo morro fixando o olhar nas coisas. Parava diversas vezes, e fazia uma viagem ocular de 360 graus.

 

Muitas de suas subidas, eram acompanhadas de uma bagagem que me dava certo medo: um saco preto (que era por arrastado).

 

No começo, pensei que recolhia lixo, era gari. Depois, que era enfermeiro de algum médico do prédio, em frente. E, por fim, um louco. Que fazia tratamento num centro de atendimento psiquiátrico, bem próximo. Mas nada disso era verdadeiro. Já que o homem, não se enquadrava em nenhuma das atividades anteriores.

 

Certo dia, resolvi seguí-lo. Não que o pensamento de que fosse um assassino em série tivesse me tomado, prontamente, mas os sacos pareciam pesados, e as atitudes dele, estranhas. Parecia viver no mundo da lua.

 

Ele fazia o mesmo caminho sempre, apontava na esquina e arrastava o corpo, digo, o saco. No fim, entrava numa casa antiga, abandonada e depois de horas, saia de lá, com um casaco azul e uma toca.

 

Como aquele homem poderia fazer aquilo? Seria ele mesmo um assassino? A pulga atrás da orelha...

 

Quando o via de frente, tinha arrepios pelo corpo. No fim, acreditava que fosse a maldade que o homem fazia. Passei a me benzer com o sinal da cruz. Quem assistiu Bom dia, Verônica, me compreenderia.

 

Numa sexta-feira enluarada, fiquei até mais tarde, não o vi entrar e nem sair. Mas pelo vitrô da sacada do prédio, observei uma luz intermitente. Era um carro de polícia.

 

Inspirada em Zefa do Pantanal e no cantor Zé Felipe (o Fifi das redes) baixou em mim (literalmente) a fofoqueira do bairro, tipo novela mexicana, e em dois minutos, estava diante do camburão pra dar conta da ocorrência.

 

O cabo, um menino de puro coração da PM, ouvia atento aos moradores que eram sondados sobre a denúncia anônima: homem de jaleco branco que carregava corpos estranhos em sacos de plástico. Sentiram um mal cheiro e fizeram a denúncia.

 

Estava lá em posição de papa-léguas, quando a porta se abriu e o homem, mais assustado que os policiais, tentava arrumar os fios do cabelo que lhe sobraram para aparecer bem, nas câmeras. Colei na testa dele: Serial Killer... Que medo. Quanta frieza!

 

Sem nenhum alarde, ele abriu vagarosamente a porta e os policiais entraram. Depois de alguns minutos, saíram todos, rindo, trocando apertos de mão. Como se amigos fossem de longas datas. O sentimento era de mulher traída que faz amizade com a amante, sabe? Os agentes acabaram dispersando a multidão, sem maiores informações.

 

No dia seguinte, ao chegar no trabalho, a notícia que saltava da boca dos colegas era de que, uma pessoa havia denunciado um tal de Estevão, como assassino. Mas chegaram lá e foram surpreendidos por uma imensidão de retalhos que eram usados pelo moço, para fazer bonecas de pano que eram doadas para crianças com câncer, no hospital onde sua filha, faleceu da mesma doença. Ele recolhia em costureiras, alfaiatarias e até lojas de retalhos.

 

O enfermeiro estava licenciado de seu ofício  há 3 anos, com problemas emocionais graves e para dar sentido à vida, se entregou ao ofício de juntar os restos para criar as bonecas, nas quais bordava, os nomes de cada criança. E para piorar sua condição, era portador se miopia grave o que o fazia fixar olhar em coisas e nunca as ver. A casa abandonada era de sua falecida tia, que lhe foi deixada por herança.

 

Apesar do tom de suspense e terror e do surpreendente final feliz, a pergunta que não queria calar, mas ninguém tinha coragem de fazer, entre nós: quem ligou pra polícia?

 

Até hoje, fico buscando olhares estranhos, uma gafe, sei lá o que, para identificar o denunciante. Coisa de detetive. Não que as lições apreendidas com a história não fossem suficientes, mas queria matar minha curiosidade. A ligação partiu do prédio, segundo o delegado.

 

E podem acreditar, embora tivesse vontade e desse sinais efetivos de que ele me causava terror, não fui eu! Eu juro. 

 

 

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 16/09/2022
Reeditado em 17/09/2022
Código do texto: T7607165
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