Tarde de debates raciais e um anoitecer em Slow dance e livin' on prayer
Permita-me escrever um pouco sobre a alegria, embora a melancolia ainda tome o palco. Mas o que seria da comédia sem o drama? Observem os Sitcoms, eles não estão apenas sentados num sofá entre paredes de papelão fazendo piadas uns com os outros. Eles estão subvertendo a tristeza de uma rotina acelerada, estressante e solitária.
A noite é solitária e, acometida a uma certa melancolia, ela se torna apenas uma slow dance¹. Tudo desacelera e parece sincronizar com esse blues que se acorda às luzes da cidade, voando entre os prédios e os transeuntes que passam livin' on a prayer.²
Antes disso, uma menina de cachinhos esverdeados se põe ao sol para fugir da fúria da ventania e inicia uma leitura sobre si. A leitura, embora pudesse ser tratada como metáfora, aparece no sentido literal de se ler através de escritos de um outro alguém.
A leitura lhe é familiar, o texto, já lido antes, é envolvido em várias outras expressões.
"Os estágios do racismo iniciam pela negação" (Grada Kilomba)...
"Ideal de ego branco" (Neuza Santos)...
"Cazuza Negro é nóia e traficante" (Tasha e Tracie)...
"Anastácia, mulher escravizada, símbolo do silenciamento das mulheres negras"...
São inúmeras referências e vivências que se resumem no silêncio. "Ainda não é o momento" (que nunca chega).
Já faz quatro anos e tudo o que relato é um retorno àquela casinha de madeira, concentrada no centro e ainda assim marginalizada. E ali, naquela margem, eu sou o centro. E assim sendo, me calo.
Por que querem me ouvir? Eu tenho algo a falar... Eu preciso falar...
"É que sei que lá no fundo, todo canto, mesmo triste
Ameniza a dor do mundo³"
Ali é refletido os vários racismos e sexismos e os infans⁴ que nos acometem enquanto mulher preta. Eu não tomo a minha voz, eu não me grito negra.⁵ I ain't looking for Mr. Right⁶, estou buscando apenas meu eu que me foge.
Por que eu tento retornar se me fujo? Porque...
"You live for the fight when it's all that you've got"⁷. Então, apenas lute...
E assim a noite cai. A cidade silenciosa grita em meio a violência urbana. Os faróis e os postes iluminam as ruas escuras. As pessoas correm para o descanso (ou não).
O silêncio continua gritando.
Não há risadas gravadas, nem tristezas fingidas de piadas. Ainda há inúmeras referências e vivências escondidas no mais alto silêncio. No fim, o que resta é apenas a melancolia da rotina que, triste ou feliz, se repetirá. Talvez com uma dose extra de ansiedade que a fará se perder em sua própria realidade. Ou talvez, raramente, like a slow dance...
¹Apenas uma dança lenta (Slow Dance - Ana Popovic)
²vivendo em uma oração (Livin' on prayer - Bon Jovi)
³ Voz de Mágoa (Dori Caymmi e Mônica Salmaso)
⁴infans: refere-se a alguém que não fala (do latim fari: dizer, falar).
⁵Me Gritaram Negra, poema da afro peruana Victoria Santa Cruz.
⁶Eu não estou procurando o Sr. Certo (Slow Dance - Ana Popovic)
⁷Você vive para a luta quando é tudo o que você tem (Livin' on prayer - Bon Jovi)