- Arrumem-se, queridos. A Primavera está chegando! - dizia vovô Mauro com euforia.

- Mas quem é Vera, vô?

- É a Rainha universal da beleza. É a mãe de todas as flores: Jasmim, Dália, Orquídea, Lírio, Rosa... Perdi a conta. 

- Mas ela vem fazer o que?

-  Ajudar-me a contar meus setembros! Quantos setembro o vovô tem?

- Mais de cinco.- todos riam -

- Vem também pra enfeitar a cruz do Bom Jesus. Vamos pra missa, meninos?

 

Congonhas é uma cidade histórica de Minas Gerais tombada pela UNESCO como patrimônio cultural da humanidade. 

 

Rica em arte barroca possui um dos maiores acervos de época, produzidos por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

 

São 12 profetas esculpidos em pedra sabão. E 5 capelas que imitam a cenografia do nascimento à morte de Jesus, talhadas em madeira e pintadas com tintas naturais, como urucum.

 

Mas essa história começou de um jeito bem diferente. O ano era 1757, o mês de fevereiro.

 

Feliciano Mendes, um ermitão português, iniciava o cumprimento de sua promessa em honra do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, ao fincar a cruz, no alto do morro do Maranhão, em Congonhas.

 

A medida foi tomada em retribuição a uma graça alcançada pelo então português que, contraindo uma grave doença cujo nome não se sabe, mas que teria sido motivada pelos árduos trabalhos de mineração.

 

Feliciano curado, passou a se dedicar, exclusivamente, à construção da igreja Basílica do Bom Jesus de Congonhas.

 

E foi assim que surgiu a devoção ao Senhor Bom Jesus, na cidade mineira. Milhares de fiéis, de todas as partes do mundo, vinham para a cidade dos profetas, pedir graças e agradecer pelos pedidos alcançados.

 

Neste ano, a festa que é celebrada em setembro, comemora 249 anos. E depois de dois anos sem a presença física dos fiéis, o momento foi de comoção e contentamento.

 

Lembro-me do quão viva era a fé dos meus, tendo inclusive, assistido muitos deles, seguirem o caminho até a cruz (trazida por Feliciano) de joelhos.

 

Apesar do cunho religioso, há também uma tradição antiga de que caixeiros viajantes, partissem para a cidade, durante os 7 dias de festa, afim de, aproveitando do número expressivo de pessoas, pudessem vender suas mercadorias. Uma era de prosperidade.

 

A igreja que fica no topo da ladeira é um templo de espiritualidade, sendo visitada também, por milhares de pesquisadores do mundo todo.

 

Das coisas mais lindas que vi, nesse períodos, está o chamado abrigo dos pobres. Lá, pessoas portadoras de doenças crônicas e pobreza extrema, eram acolhidas para durante o jubileu, receberem fiéis sensíveis que pudessem contribuir para a diminuição daquelas mazelas. Este ano suspenderam a atividade e dezenas foram impedidos de passar por aquele local de aconchego e receptividade.

 

O abrigo dos pobres ou Barracão da Alegria, foi fundado por um grupo de espíritas do Espiríto Santo e estes, num trabalho sincronizado e de respeito, junto à igreja católica, traziam essa doçura de assistência aos mais necessitados.

 

Tinha o picolé de Itu que era vendido pelas ruas da cidade, como prato gourmet, sem contar os churros e as cocadas brancas. Eram o olho da cara!

 

A fila quilométrica para ter acesso à imagem do Bom Jesus, chegava a 3 km e o povo permanecia firme e fiel, nunca desistiam.

 

Vovô Mauro colocava seu chapéu de sol e com um guarda-chuvas em mãos, ia afastando a multidão para que nós, os pequenos, pudéssemos participar daquele momento.

 

Entre lágrimas e orações, éramos conduzidos por uma emoção inexplicável, só sentida.

 

Terminada a missa e com as bênçãos dos objetos, estávamos prontos para passear pelas barraquinhas.

 

Comprávamos carrinhos, bonecas, sorvete e no fim do dia, já na casa do vovô, contávamos setembros. E como nem tudo são flores:

 

- Vó. Há quanto tempo tem setembro?

- Não sei, minha filha. Mas dezenas e dezenas de anos. Por que, meu amor?

- Então o senhor é velho e não morreu ainda por que?

 

Do alto, um olhar que parecia uma lança. Causou-me certo medo. Mamãe tinha esse dom de atirar com os olhos quando falávamos alguma bobagem.

 

Demorei muito a compreender que setembros eram anos e que primaveras eram estações...

 

E que avôs deviam ser eternos...

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 18/09/2022
Reeditado em 18/09/2022
Código do texto: T7608624
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